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Artigo: A voz é o estilo, por Dante Filho

29 de Setembro de 2013 - 22:09

Na última eleição em Campo Grande fui uma espécie de voz solitária contra Bernal. Ataquei-o de diversas maneiras, convencido de que ele seria um péssimo prefeito. Para mim era evidente que, caso fosse eleito, a cidade viveria momentos políticos sem precedentes em sua história. Tudo inútil. Morri antes de chegar à praia. Bernal foi eleito inclusive contra minhas previsões iniciais.

Depois disso, fiz dois ou três reparos críticos sobre o comportamento errático do Dr. Alcides e decidi assistir de camarote a “gestão” do homem de 270 mil votos.

Num único encontro protocolar que tive com ele, numa visita em que acompanhei um grupo de parlamentares em seu gabinete, fui interpelado com fúria por um Bernal atônito e descabelado. O prefeito cobrou asperamente minhas posições, citando trechos de meus artigos de cabeça que eu nem me lembrava mais, criando um constrangimento geral.

Sua inabilidade em lidar com opiniões divergentes ficou patente. Na ocasião, não tive outra saída: fiz uma piada tentando descontrair o ambiente, mas o senso de humor de Bernal não estava lá grandes coisas. Ali ficaram evidentes três coisas: o prefeito só aceita elogios, é leitor assíduo de meus artigos e nutre verdadeira obsessão pelas minhas opiniões. No mais, não consegui compreender os mistérios do personagem. Mas percebi de cara que o homem não resistia a um sofá de psiquiatra.

Agora (passados 10 meses) finalmente está se cristalizando um consenso sobre sua "administração" (essa é a vingança de quem tem paciência para esperar). Falar mal do Dr. Alcides virou mania. Por isso, mais uma vez, vou na contracorrente: pretendo elogiar Bernal. Quero enaltecer aquilo que permanece como sua principal qualidade: sua voz. Sim, insisto nisso mesmo reconhecendo que, com o tempo, o homem se transformou e vive cada vez mais um intenso processo de desconstrução, mas tenho que aceitar com humildade que essa voz  -– potente, maviosa, doce e sedutora - continua a mesma.

Recentemente, depois de uma reportagem na TV Record no qual ele foi denunciado de ter passado a perna numa idosa quando era apenas um “advogado do povo”, Bernal reduziu suas manifestações radiofônicas. Adianto que considero essas denúncias parte de uma trama esquisita e nebulosa. Os principais interessados não conseguem esclarecer nada direito. Tudo me parece encenação mambembe.

Por isso, muita gente pensa e propaga pelas redes sociais que o Dr. Alcides Jesus Peralta Bernal (cada vez menos Jesus e mais peralta) está sendo vítima de um "complô das elites". O discurso rasteiro de seus defensores segue a linha das agruras por que passa um homem do povo quando chega lá. Até quando bobagens como essas serão ditas no Brasil?

Só nos resta dar risadas. Bernal, na verdade, está sendo vitimado por si mesmo. Ele é seu maior e pior inimigo. Seu estilo lembra-me a de um sujeito que bebe demais e tenta sair de um bar com o propósito de ir direto para casa. Primeiro, ele tropeça nas próprias pernas; depois, tenta se levantar apoiando-se numa cadeira que cede e quebra, levando-o novamente ao chão. Em seguida, com muito esforço, mantém-se de pé e, quando avança dois passos, escorrega novamente por causa do chão molhado e escorregadio da bebida que ele mesmo derrubou. Depois,  tenta chegar à porta e seguir em frente titubeando. Cai novamente. E o mais grave: não permite a ajuda de ninguém. Moral da história: o sujeito basta a si mesmo para atrapalhar sua própria vida. E ainda tem gente que diz que o coitado é vitima de pessoas preconceituosas.

Dito isso, considero notícia péssima o fato de Bernal anunciar que vai reduzir suas falas radiofônicas. Ele não tem o direito de nos privar de seu principal patrimônio: a voz suave que notabiliza os inocentes e injustiçados, pronunciados naquele timbre monocórdio que caracteriza os homens puros e ingênuos. Por isso não aceito sua cassação nem sua renuncia. Uma voz assim jamais poderá ser calada. Vou com ele até o fim (se houver).

*jornalista e escritor