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Esporte

Entenda as causas para a novidade da F1 em 2018: o jejum de Mercedes e Hamilton

Após três etapas, piloto e escuderia ainda não triunfaram nesta temporada. Este é o pior início de temporada de ambos desde a introdução dos motores híbridos, em 2014

Globo Esporte

18 de Abril de 2018 - 15:11

A tente para estes dados: em 2007, Lewis Hamilton, com 22 anos, estreou na F1, pela equipe McLaren. Nas nove primeiras corridas, terminou todas no pódio, com duas vitórias, em Montreal, no Canadá, e Indianápolis, nos Estados Unidos. Desde a introdução da era híbrida na F1, em 2014, então na Mercedes, o retrospecto de eficiência de Hamilton não é diferente.

Em 2014 abandonou na Austrália, por um problemas elétrico, mas venceu as quatro seguintes. Em 2015, Hamilton foi ao pódio nas nove primeiras etapas, com cinco vitórias. Já em 2016, viu o companheiro de Mercedes, Nico Rosberg, celebrar o primeiro lugar nas quatro primeiras provas do ano, somar 100 pontos, enquanto ele, 57. Na temporada passada, já com um companheiro novo, Valtteri Bottas, Hamilton obteve três pódios nas três primeiras corridas, com vitória na China.

Sempre muito rápido e constante, certo? Agora concentremo-nos no campeonato em curso. Domingo, no GP da China, terceiro do calendário, Hamilton recebeu a bandeirada em quarto, a 16seg985 do vencedor, Daniel Ricciardo, da RBR, enquanto Bottas, ainda parceiro na Mercedes, em segundo, a 8seg894 do australiano. Hamilton já venceu cinco vezes o evento no Circuito de Xangai, em 2008, 2011, 2014, 2015 e 2017. Na definição do grid, Bottas registrou o terceiro tempo. Hamilton, o quarto, 50 milésimos mais lento que o finlandês.

Na etapa anterior, em Barein, dia 8, de novo Bottas foi segundo, a apenas 669 milésimos do vencedor, Sebastian Vettel, da Ferrari, com Hamilton em terceiro, a 6seg512 do alemão. Na classificação, Bottas mostrou-se mais rápido na luta com Hamilton, segundo tempo, 96 milésimos melhor que o inglês, quarto.

Na abertura do mundial, 25 de março, Bottas cometeu erro comprometedor no Q3, sábado, bateu o carro e teve de largar em décimo. Já Hamilton assustou a F1, ao estabelecer, na pole, um tempo 664 milésimos melhor que o de Kimi Raikkonen, Ferrari. Ao longo da corrida, Hamilton era o líder quando o safety car levou Vettel, terceiro no grid, a assumir o primeiro lugar e não perder mais. Hamilton chegou em segundo, a 5seg036. Bottas não foi além do oitavo lugar, muito em função da dificuldade de ultrapassar no circuito de Melbourne, a 34s339 do alemão.

Os resultados dos três primeiros GPs do campeonato dão a Vettel a liderança, com 54 pontos, das duas primeiras vitórias e o oitavo lugar em Xangai. Hamilton está em segundo, com 45, da segunda colocação na Austrália, terceira em Barein e quarta na China. A seguir vem Bottas, 40, de um oitavo e dois segundos lugares, Ricciardo, do quarto na prova de casa, na Austrália, e a vitória domingo, e Raikkonen, dos dois terceiros, na primeira e terceira etapas.

Repare ainda que a Mercedes não subiu ao degrau mais alto do pódio este ano, algo inédito desde a substituição dos motores V-8 aspirados pelos V-6 Turbo híbridos em 2014. O que está acontecendo com os dois, o piloto que conquistou três títulos dos quatro disputados nessa era de tecnologia das unidades motrizes e a escuderia alemã, campeã em tudo nos últimos quatro anos?

Falsa impressão inicial

Precisamos ir um pouco mais a fundo nos três eventos já realizados.

Na Austrália, não fosse o safety car, a maior velocidade de Hamilton e do modelo W09 da Mercedes, em relação ao SF71H da Ferrari e ao RB14-TAG Heuer (Renaut) de Ricciardo e Max Verstappen, provavelmente levaria o piloto inglês sair vencendo este ano. Mas no evento seguinte, no Circuito de Sakhir, toda aquela impressão assustadora da classificação em Melbourne começou a ser substituída por uma série de dúvidas.

Hamilton foi mais lento que Bottas no sábado. E no domingo, mesmo descontando o fato de ter largado em nono, pela substituição do câmbio, seu ritmo o fim de semana todo esteve aquém daquele do companheiro. Alegou que os pneus supermacios não atingiam a temperatura de melhor aderência, prejudicando-o no sábado, haja vista que largou com macios e no pit stop, realizado na 26ª volta, colocou os médios para ir até o final, na 57ª volta. A Pirelli levou para lá os médios, macios e supermacios.

Já Bottas largou com os supermacios, usados no Q2, diferentemente de Hamilton, manteve-se com eles até a 20ª volta e também colocou médios para não parar mais.

Vamos para a China. As dificuldades com os pneus seguem atingindo a Mercedes, como já havíamos visto em 2017. Hamilton atribuiu sua falta de melhor performance ao fato de os pneus ultramacios não esquentarem. A Pirelli distribuiu, ainda, os macios e os médios. No sábado a temperatura da pista era de 15 graus.

Toto Wolff, diretor da Mercedes, explicou a razão de, a exemplo de Barein, a organização ultravencedora que dirige ter ficado atrás.

- No Barein os pneus supermacios superaqueciam no nosso carro e aqui (Xangai), os ultramacios não esquentam o suficiente.

Piloto inglês mais suscetível

O diretor completou dizendo que aquilo acontecia com seus dois pilotos. Atinge os dois, sim, mas eis que surge a primeira observação de nossa conversa a respeito de Hamilton. É um fato: ele tem bem mais dificuldades em ser rápido com um carro que não responde com o seu melhor do que Bottas.

E essa dificuldade não se limita a tirar velocidade em uma única volta lançada, na definição do grid, mas na corrida também. Temos elementos para identificar essa característica em Hamilton. Além dos dois GPs deste ano, as provas de Sochi, na Rússia, e Mônaco, em 2017, são da mesma forma evidências concretas de como Hamilton produz menos nessas condições, até em relação a pilotos capazes, vencedores de GPs, mas sem o seu supertalento, como Bottas.

No GP da Rússia de 2017, Hamilton obteve o quarto tempo no grid, a 478 milésimos de Bottas, terceiro. Na corrida, o finlandês aproveitou a longa reta depois da largada, pegou o vácuo de Vettel, o pole, assumiu o primeiro lugar e não perdeu mais. Hamilton fez uma corrida burocrática, terminou em quarto, a mesma do grid, a impressionante 36s230 de Bottas. Alegou não ter aderência. A Pirelli distribuiu em Sochi os pneus macios, supermacios e ultramacios.

Em Mônaco, na temporada passada, a dificuldade em fazer os pneus atingirem a temperatura ideal ou mesmo pilotar quando eles não estão no máximo da sua performance ficou ainda mais clara. De novo a Pirelli levou para o Principado os macios, supermacios e os ultramacios. Bottas ficou em terceiro, no sábado, a 45 milésimos do tempo da pole de Raikkonen.

Hamilton? Acredite, não passou do Q2. Largou em 14º. No domingo, recebeu a bandeirada em sétimo, a 15seg801 de Vettel, o vencedor, enquanto Bottas, em quarto, a 5seg517.

Disso tudo, temos já uma primeira fotografia da razão de Hamilton não ter vencido ainda este ano, responde com menor eficiência ao desafio de aquecer os pneus e pilotá-los sem que disponibilizem sua melhor aderência.

Precisar de um tempo

Mas se analisarmos com maior atenção na F1 a trajetória desse piloto que já faz parte da história da competição, veremos que outra das idiossincrasias de Hamilton é não voltar ao seu máximo de um instante para o outro, ou seja, se não apresenta uma grande performance, é mais lento que o companheiro, precisa de um tempo para reagir.

Vamos dar nome aos bois? Não é preciso ir longe. Quem se lembra do início do campeonato de 2016? Hamilton começou atrás do companheiro de Mercedes, Nico Rosberg, na Austrália, e foi assim nos três GPs seguintes. Rosberg ganhou em Melbourne, Barein, China e Rússia. Nessas quatro primeiras etapas do calendário, Hamilton, visivelmente desconfortável, e menos produtivo, terminou em segundo, terceiro, sétimo e segundo. Como mencionado, enquanto o alemão somou 100 pontos das quatro vitórias, Hamilton, 57.

Podemos recorrer ao pior campeonato de Hamilton na F1, em 2011, como companheiro de Jenson Button na McLaren-Mercedes. Houve um momento da disputa, a partir da segunda metade do ano, que Hamilton parecia acuado, no canto do ringue, levava golpes e não tinha forças para reagir, até a sua guarda já estava baixa. Quem acompanhou o duelo de perto, como o repórter do GloboEsporte.com, não tinha como não se impressionar.

Os números. No GP da Hungria, Button venceu, com Hamilton na quarta colocação. Na Bélgica, portanto volta das férias, Button foi terceiro enquanto Hamilton se envolveu em um acidente perigoso com Kamui Kobayashi, da Sauber, no fim da reta. Na Itália, Button terminou em segundo e Hamilton, quarto. Em Cingapura, segundo para Button, quinto, Hamilton. Vitória de Button no Japão com Hamilton em quinto.

Um GP atrás do outro Hamilton perdia a luta para Button. No fim da temporada, o campeão do mundo de 2009, Button, era o vice, com 270 pontos, enquanto Hamilton, campeão do mundo de 2008, somente quinto, 227.

Apenas no GP seguinte ao do Japão Hamilton ficou na frente de Button, ao ser segundo na Coreia do Sul diante de quarto do parceiro, mas no que veio na sequência, Índia, de novo Hamilton recebeu a bandeirada atrás, sétimo e segundo.

Normal até entre campeões

Wolff disse, em Xangai, que mesmo um piloto da capacidade de Hamilton pode passar por momentos como o atual. Mas é importante destacar que desta vez a causa não parece ser uma certa apatia emocional, um estado de espírito não distante da melancolia vivido pelo inglês, visivelmente, em 2011. Todas as indicações são de que sua menor eficiência em relação a Bottas, agora, decorre do mencionado, ser menos capaz de administrar carros com pneus fora da faixa de temperatura ideal.

Ninguém é quatro vezes campeão do mundo na F1, como Hamilton, por acaso, assim como é preciso muito lastro para vencer 62 GPs, em 211 disputados, registrando a excepcional eficiência de 29,38% de vitórias nas corridas em que largou. Mais: Hamilton tem 73 pole positions no currículo, primeiro absoluto no ranking. O inglês chegou, ainda, em 119 ocasiões no pódio.

Agora voltando a “falar mal” de Hamilton. Vocês já viram que é quase uma regra com ele, quando não começa bem o fim de semana, surge cheio de explicações, na maioria das vezes vai assim até o domingo. Foram poucas as vezes em que o vimos promover uma reviravolta na sua performance ao longo da mesma competição. Este ano tem agido assim também.

Incoerências na equipe

Em relação a Mercedes, o que primeiro chama a atenção é o fato de o coordenador do modelo W09 ser James Allison, especialista em carros cujo comportamento que mais os caracterizam é a eficiência com que exploram os pneus. Foi assim na Benetton, Lotus, no monoposto da Ferrari de 2017, o veloz e equilibrado SF70H, antes de ser mandado embora. E não havia quem pensasse que o W09 da Mercedes não manteria a tradição.

Nos testes de Barcelona, em duas ocasiões Hamilton disse:

- Dentre as coisas boas do nosso carro é que ele não é mais um diva, como o do ano passado. Em algumas provas não entendíamos suas reações aos pneus. O carro deste ano é bem mais previsível.

Difícil explicar

Sua declaração, corroborada por Bottas, eleva ainda mais os questionamentos a respeito das dificuldades de o W09 explorar os pneus como a Ferrari e a maioria. O mais curioso, ainda, é que o diretor de competições da Pirelli, Mario Isola, afirmou em entrevista ao GloboEsporte.com que os pneus deste ano têm uma faixa maior de temperatura, a chamada working range, em que respondem com sua melhor aderência.

Será fundamental para a Mercedes identificar o quanto antes a causa de seus problemas para poder resolvê-los. Uma das possíveis explicações é que Allison foi orientado por Wolff e a área técnica a não intervir dramaticamente no projeto do modelo campeão do mundo no ano passado, mas apenas desenvolver os conceitos empregados, que pouco têm a ver com as ideias de Allison, se examinarmos o SF70H da Ferrari, cuja base foi desenvolvida por ele.

O que Wolff descarta, depois de conversar com Allison, Andy Cowell, Aldo Costa, Geoff Willis e Mark Ellis, os responsáveis pelo W09, é haver algum impedimento crônico para o desenvolvimento do projeto. O excesso de temperatura nos pneus no Barein e a falta na China podem ser, como foi em 2017, se não resolvidos, bem atenuados.

Outro aspecto importante a ser destacado na concorrência entre Mercedes de Ferrari é o que Hamilton e Bottas vêm dizendo desde a pré-temporada: os italianos deram um grande passo à frente em termos de potência disponibilizada por sua unidade motriz. Vettel e Raikkonen têm estado dentre os que registram as velocidades mais altas nos trechos de reta. Em uma F1 onde o peso da unidade motriz na responsabilidade pela performance do conjunto é desproporcionalmente elevado, isso está ajudando muito a explicar o avanço da Ferrari.

A dúvida é saber se a melhora da unidade motriz italiana será acompanhada da importantíssima necessidade de ser confiável, diante de o regulamento restringir, este ano, a três unidades por piloto para as 21 etapas do mundial. Vamos ainda para a quarta prova do ano e até agora apenas a Renault, com Ricciardo, e a STR-Honda, com os dois pilotos, substituíram componentes das unidades motrizes.

Dada essa exposição, se no circuito de rua de Baku, já dia 27, no primeiro treino livre do GP do Azerbaijão, a Mercedes conseguir fazer seu carro explorar os pneus ultramacios, supermacios e macios conforme a especificação da Pirelli, nada deverá impedi-la de se ser forte candidata à vitória, como de regra. E nesse caso, a retomada de Hamilton poderia vir junto da melhor performance do carro. Se isso acontecer, a luta com a Ferrari deverá ser ainda mais acirrada. Não há como não torcer para que seja assim.