Logomarca

Um jornal a serviço do MS. Desde 2007 | Terça, 23 de Abril de 2024

Esporte

Brasil jogará em estádio que foi palco de tortura e "fantasmas" foram vistos

Inaugurado pela presidenta após ampliação, palco que pode receber Seleção em três jogos em Concepción tem relatos do regime militar e funcionária que vê assombrações

GloboEsporte

27 de Junho de 2015 - 07:08

O palco que vai receber a partida deste sábado da seleção brasileira contra o Paraguai está diferente. Inaugurado nesta quinta-feira pela presidenta da república, Michelle Bachelet, tem sistema de iluminação moderno, cobertura, aparência de recém-saído do forno. Obras que não apagam, porém, a história do estádio municipal de Concepción, local de prisões e torturas políticas na época da ditadura chilena e com fama de mal-assombrado.

O Ester Roa Rebolledo, nome da primeira prefeita mulher do município, não recebe futebol desde agosto de 2013. A obra foi marcada por atrasos e greves que a tornaram ainda mais cara, e fizeram da busca por recursos uma corrida desenfreada. Cenário bem semelhante ao que se viu no Brasil durante os preparos para a última Copa do Mundo.

Empecilhos superados, o estádio ficou quase pronto. Ainda faltam alguns detalhes. Um deles é uma placa que homenageia todos os que ali foram prisioneiros políticos, há mais de 40 anos, durante o regime militar.

A partir do golpe de 1973, estádios de futebol se tornaram arenas de sofrimento. O de Concepción, que receberá a seleção brasileira neste sábado, na época era chamado de Regional e teve uma noite marcante entre tantas de agonia. 

Em 19 de janeiro de 74, prisioneiros foram transferidos a outro local. Em 2009, Gabriel Reyes Arriagada, sobrevivente da ditadura, relatou no portal “Tribuna de Bio Bío”: “várias dezenas de habitantes transitórios do campo esportivo, homens e mulheres, foram chamados e fichados pela enésima vez. A diferença é que dessa vez foram fotografados e orientados a tirar suas coisas de suas celas improvisadas. (...) talvez essa noite seja uma das mais difíceis de ser esquecida. Foi informado que cada um de nós poderia escrever uma carta a seus familiares mais próximos (...) de imediato surgiu a ideia de que nos fuzilariam ou jogariam ao mar”.

Em janeiro de 2013, dois meses antes do início das obras, um grupo de antigos prisioneiros solicitou que a placa instaurada no local em respeito aos perseguidos fosse preservada na remodelação do estádio.

Nesta quinta-feira, voluntários da Copa América e secretários do estádio informaram que ela estava sendo limpa, e voltaria ao mesmo lugar. Não confirmaram se antes ou depois das partidas válidas pelo torneio.

Aparentemente, Dunga e seus jogadores encontrarão um gramado em boas condições no treino desta sexta-feira e na partida de sábado. Mas os cuidados são redobrados. Se chover, essa última atividade antes da partida será transferida para outro estádio.

Se o Brasil vencer o Paraguai, disputará a semifinal contra Argentina ou Colômbia também no estádio Ester Roa. E ainda poderá haver uma terceira partida consecutiva se a Seleção for derrotada nessa semifinal. A decisão do terceiro lugar está marcada para Concepción. Ou seja, um convívio mais longo com um local que carregou fama de mal-assombrado.

O histórico de fatos aterrorizantes pode interferir na mente das pessoas. Maria Neira, antiga funcionária do Collao (apelido do estádio), declarou ao “La Estrella” que via e ouvia “coisas”.

– Estava com minha filha e minha sobrinha, e escutamos que começaram a golpear com muita força uma porta. Era um ruído desesperado. Fui ver e não havia nada. Passam pessoas atrás de mim – afirmou ao veículo.

Nesta quinta-feira, o prefeito de Concepción, Alvaro Ortiz, e a presidenta Michelle Bachelet, entre outras autoridades, inauguraram o local com discursos, presentes, afagos e sorrisos. Não falaram dos protestos de professores e estudantes que ocorriam do lado de fora, muito menos do passado de torturas e da fama de assombrações.

– Quanto nós não sofremos para chegar até aqui – questionou o prefeito, provavelmente sem notar que muitos sofreram bem mais do que ele.