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Sidrolandia

Arqueólogos acham amuleto raro que teria sido utilizado no século 18 no RJ

Figa usada pelos escravos foi achada em Campos dos Goytacazes, RJ.

G1

25 de Julho de 2016 - 16:37

Durante uma escavação sob os terrenos da antiga senzala do Solar do Colégio, arqueólogos encontraram uma figa que teria sido utilizada por negros que foram escravizados entre os séculos 18 e 19 em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Símbolo de proteção contra mau-olhado, inveja e energias negativas, a figa é um dos amuletos da sorte mais antigos da história e mais raros de ser encontrado, segundo a arqueologia.

A descoberta da peça rara foi comemorada pela equipe de arqueólogos durante a terceira expedição de escavações em terras que foram desbravadas pelos jesuítas. A reportagem do G1acompanhou de perto todo o processo de descobrimento da história na localidade de Tocos.

“Isso aqui é uma joia. A figa era o primeiro objeto que os escravos compravam quando conseguiam algum dinheiro. É uma peça muito rara. Para ter noção, os Estados Unidos fazem cem vezes mais escavações que a gente e eles só encontraram duas até hoje”, comemorou Luís Cláudio Symamski, coordenador da escavação e professor de arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O objetivo da escavação é desenterrar a história dos negros, além de descobrir e revelar, com propriedade, como era a identidade da população que foi escravizada, através dos costumes, vestimentas, alimentação e objetos que remetem às crenças.

Com espátulas, pincéis e trenas, a equipe realiza a terceira etapa de escavação no Norte Fluminense. O sítio do Solar do Colégio, que atualmente pertence ao arquivo público municipal, foi um achado importante para o projeto "Café com Açúcar: Escravidão em área de açúcar e café no Sudeste rural".

“Não há outro sítio senzala no Brasil e nem mesmo na América do Sul, que está sendo tão escavado nesse contexto”, afirmou o professor e coordenador do projeto. A fazenda do Solar do Colégio chegou a abrigar cerca de 2 mil escravos entre o século 18 e 19, o que de acordo com o arqueólogo é um número bastante expressivo de escravos para uma fazenda.

"No contexto relacionado a estruturas de fazenda de cana-de-açúcar é o maior (sítio arqueológico) do Norte Fluminense. Para se ter uma ideia, no Vale do Paraíba, que tinha fazendas de café, no século 19, durante a economia do café, havia cerca de 300 escravos",

Em três temporadas de expedição, esta é a primeira vez que um artefato tão significativo para a arqueologia da escravidão, também chamada de arqueologia da diáspora africana, é encontrado.

Além da figa, os escavadores já encontraram pedaços de vasilhames, louças, uma medalha de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do solar, crucifixos, restos de alimentos, ossos, pedaços de louças, miçangas, e uma faca, objeto muito raro para uma população que foi escravizada, de acordo com o arqueólogo.

"Também é a primeira vez que a gente encontra uma faca, porque os escravos não tinham acesso a esse tipo de objeto. Eles usavam cacos de vidro quebrados para cortar alimentos ou objetos", explicou o professor.

Potencial histórico

O local onde as escavações são realizadas foi onde os jesuítas se instalaram por volta do ano de 1650. Ao mesmo tempo que agrupavam índios, os jesuítas também recebiam escravos africanos, de Angola e do Congo, para trabalharem na plantação de cana-de-açúcar.

O diferencial dessas terras, segundo o arqueólogo, é que os negros escravos que foram transferidos para a localidade eram incentivados a constituírem famílias, o que não era comum em outros engenhos. E família, segundo o professor, produz lixo, produz resíduos que acabaram ficando enterrados, o que além de facilitar o processo, torna a localidade um grande potencial de descoberta histórica.

“O que mais a gente está encontrando aqui são restos de alimentos, restos de itens para preparo e consumo de alimentos, são cerca de 90% que a gente encontra, e isso nos informa muito sobre as práticas de subsistência deles, sobre os hábitos alimentares, sobre padrões de consumo, sobre formas de interação social, sobre os modos de como eles se vestiam, sobre a religiosidade deles", observa Luis ressaltando que as escavações têm revelado tanto objetos católicos, quanto objetos de religiões africanas, como a figa, uma concha de búzios e colares de contas (miçangas).

"Encontramos objetos de diferentes estilos, diferentes tamanhos, e que estão nos informando sobre essa estética, de que forma eles estavam ornamentando os seus corpos. Essa descoberta mostra como eles eram diferentes, como queriam mostrar sua individualidade", ressalta o arqueólogo.

Representatividade

Para a estudante Luciana Alves, a escavação tem um significado expressivo para a história do negro no país. "Está sendo muito importante porque não é só escavar, não é só resgatar a identidade do nosso povo, mas é se identificar, é representatividade. Participar de uma escavação dessa é extremamente significante", disse.

As escavações acontecem sempre no mês de julho e esta etapa no Solar do Colégio termina no próximo dia 28. Porém as escavações não têm data definida para serem finalizadas.

O Projeto

O projeto "Café com Açúcar" foi iniciado em 2012 com foco nos engenhos de açúcar e nas fazendas de café para comparar como ocorreu a escravidão nessas duas áreas, as semelhanças e diferenças na vida, no cotidiano da população de escravos. A equipe é formada por arqueólogos e estudantes de arqueologia de Minas Gerais, Sergipe e do Piauí.

Coordenado pelo arqueólogo Luis Claudio, o projeto teve início através de uma sugestão do historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Flávio Gomes, que é natural de Campos.

Na primeira e segunda fase da expedição, realizadas em 2012 e 2014, foram encontrados cachimbos, ossos, moedas e porcelanas, o que, segundo os arqueólogos, possibilita saber como viviam os negros daquela época.