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Sidrolandia

Mendes diz que Brasil vive "tempestade perfeita" e defende parlamentarismo

Presidente do TSE voltou a dizer que vazamento de informações sob sigilo é "crime"; ele afirmou que os vazamentos sugerem que Brasil é país de "trambiques".

G1

24 de Março de 2017 - 15:33

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, afirmou nesta sexta-feira (24), em um seminário na sede da Corte eleitoral, que o Brasil passa atualmente por uma “tempestade perfeita”, em razão da combinação de crise política, recessão e desemprego, e defendeu a adoção do parlamentarismo no Brasil.

Na visão de Gilmar Mendes, se o Brasil adotasse o parlamentarismo, as crises geradas pelo impeachment de presidentes poderiam ser solucionadas “de forma menos traumática” com a mudança do sistema de governo.

No sistema parlamentarista, o governo fica sob o comando do primeiro-ministro, líder de um partido majoritário na Câmara. A figura do presidente continua existindo, mas funciona exclusivamente para a função de chefe de Estado, de caráter mais formal e com menos poder nas decisões políticas.

O magistrado foi um dos palestrantes de um painel que discutir a reforma política. No entanto, ele não se limitou a falar somente das mudanças nas regras políticas e eleitorais.

Ao longo da sua fala, ele voltou a criticar o vazamento de informações sob sigilo e exigiu que recentes casos nos quais a imprensa teve acesso a detalhes de processo que estão em segredo de Justiça sejam investigados (leia mais detalhes abaixo).

“Todos sabem que o Brasil está passando por uma combinação daquilo que se chama de tempestade perfeita. Recessão, desemprego, crise no campo político sem limites”, disse Gilmar Mendes ao iniciar sua participação no seminário.

Em meio ao seminário, o presidente do TSE criticou o que ele chamou de “demonização” e “satanização” da classe política, ressaltou que é preciso discutir mudanças nas regras políticas e eleitorais – especialmente no modelo de financiamento das campanhas – e afirmou que o parlamentarismo pode ser uma alternativa para solucionar as recorrentes crises políticas brasileiras.

“Temos que recolocar o debate sobre o parlamentarismo no Brasil. Nós já parlamentarizamos o presidencialismo com o presidencialismo de coalizão”, enfatizou.

O ministro destacou que, em pouco mais de duas décadas, o país já afastou dois presidentes por meio de processos de impeachment.

“Vivemos, em pouco mais de 20 anos, o segundo impeachment com resultados concretos diante de impasses insolúveis de governabilidade. Temos de discutir novas formas de governo. Podemos discutir um novo regime de governo e avançar para algo mais sofisticado, com uma nova institucionalidade e possibilidade de solucionar crises de forma menos traumática do que com um impeachment”, opinou o presidente do TSE.

“O Brasil precisa, na política, de um novo Plano Real. Foi em meio a uma crise grave que o país tomou a decisão de se libertar da servidão imposta pela inflação. Podemos dar um passo mais significativo na nossa democracia fazendo uma reforma política”, complementou Gilmar Mendes em outro trecho do seminário.

Vazamentos

Em meio à palestra e em uma entrevista que concedeu depois do evento, o presidente do TSE criticou, novamente, os vazamentos de informações sigilosas da Lava Jato e da ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer. Para ele, os vazamentos sugerem que o Brasil é um país de "trambiques".

Na última terça-feira (21), durante a sessão de julgamento da Segunda Turma do STF, Gilmar Mendes acusou a Procuradoria Geral da República de ter cometido “crime” porque, segundo ele, integrantes do Ministério Público vazaram parte dos nomes de políticos que fazem parte da lista sigilosa de pedidos de abertura de inquérito feitos pela própria PGR ao à Suprema Corte.

No dia seguinte, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rebateu a acusação do ministro do STF, afirmando que as críticas do magistrado são resultado de “disenteria verbal” e “decrepitude moral”.

Após o mal-estar entre Gilmar Mendes e Janot, ocorreu, nesta quinta (24), um novo vazamento de informações sob segredo de Justiça, desta vez, no próprio TSE. Detalhes de depoimentos prestados por ex-dirigentes da Odebrecht na ação que investiga abuso de poder na chapa Dilma-Temer, em 2014, foram divulgados pela imprensa.

A Corregedoria do Tribunal Superior Eleitoral instaurou um procedimento interno para apurar “vazamentos" dos depoimentos.

Nesta sexta, quando voltou à carga nas críticas contra os vazamentos, Gilmar Mendes disse que louva o trabalho que está sendo feito pela Lava Jato, mas é "crítico aos abusos".

"Eu deploro vivamente, seriamente, e exijo que façamos a devida investigação desse vazamento agora lamentavelmente ocorrido. Acho que isso fala mal das instituições. É como se o Brasil fosse um país de trambiques, de infração", reclamou o presidente do TSE durante o seminário.

"Assim como nós não podemos praticar vazamento aqui [no Judiciário], ninguém pode fazê-lo, nem procuradores, nem juiz, nem ninguém. Do contrário, a lei diria que o processo seria público. [...] É preciso prestar à lei a devida seriedade”, acrescentou.

Mais tarde, em entrevista coletiva, o presidente do TSE reafirmou que é "crime" a divulgação para a imprensa de dados sigilosos e destacou que a Corte eleitoral vai investigar o vazamento de informações da ação envolvendo a chapa Dilma-Temer.

"Nós estamos determinando, exatamente, providências aqui no TSE, acho que isso tem que ser respeitado, e é claro que em todos os setores isso tem que ser feito. Isso não pode ser sistematizado. Ou se tem lei, e se pede autorização para divulgação, e se levanta o sigilo… Agora, o vazamento feito por autoridade pública é crime, 325 do Código Penal. Tem que ser investigado, e nós vamos investigar aqui".

Anistia ao caixa 2

Ao final do seminário, Gilmar Mendes foi questionado por repórteres sobre as movimentações de bastidores no Congresso Nacional para aprovar uma lei que anistie o caixa 2 para preservar os parlamentares que tenham usado recursos não contabilizados em campanhas eleitorais.

A iniciativa é uma reação defensiva dos congressistas às delações de executivos e ex-dirigentes da Odebrecht na Lava Jato, nas quais foram reveladas doações por meio de caixa 2 a políticos de diversos partidos.

Ao responder aos jornalistas, Gilmar Mendes não defendeu diretamente a aprovação de uma lei para anistiar o caixa 2, mas comparou a eventual mobilização dos parlamentares ao episódio da repatriação de recursos. Segundo ele, ninguém tem questionado a constitucionalidade da anistia ao que ele classificou de "crime fiscal".

No ano passado, o Congresso aprovou uma legislação que permitiu que brasileiros trouxessem de volta ao país bens mantidos no exterior sem declaração à Receita Federal, a chamada repatriação. Com a lei, os contribuintes que regularizaram os valores ficaram anistiados de qualquer punição.

"Não sei se se cogita disso [anistia ao caixa 2], porque tem um debate se o caixa 2 bem caracterizado é crime. O Congresso tem votado várias anistias, votou a anistia da repatriação, que fez com que muita gente trouxesse dinheiro de fora, que tinha, pelo menos, crime fiscal. O Congresso votou a anistia e ninguém está dizendo que essa anistia é inconstitucional. Esse é um debate que tem que se tratar no momento oportuno", afirmou Gilmar Mendes, que, durante o seminário, comparou parlamentares a "despachantes de luxo".

10 medidas anticorrupção

Na palestra, o magistrado também disparou, mais uma vez, duras críticas ao pacote de medidas apresentadas pelo Ministério Público Federal – que ficou conhecido como "10 medidas anticorrupção" – e contra a Lei da Ficha Limpa, que ele chamou de "geringonça".

As propostas de combate à corrupção sugeridas ao Congresso pelo MPF, com apoio popular, foram desfiguradas pela Câmara no ano passado e agora estão sob análise dos senadores.

"As 10 medidas [anticorrupção] eram ruins, mal feitas. Por exemplo, acabavam com o habeas corpus. Eu disse isso para o Moro [juiz responsável pela Lava Jato na primeira instância]. Quem pensou isso tem espírito autoritário. Nem os militares fizeram isso", enfatizou.