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Região

Índios ampliam invasões de propriedades em Dourados

A onda de invasões começou 2016, quando lideranças de fora da Reserva tomaram dezenas de propriedades.

Diário MS

22 de Agosto de 2018 - 12:12

Proprietários de sítios e chácaras localizadas ao lado da Reserva Indígena de Dourados estão acusando a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) de incentivarem invasões de áreas particulares nas últimas três semanas. Os sitiantes, que pediram para não ser identificados por medo de retaliação, afirmam que testemunharam veículos oficiais da Funai e da Sesai levando desde mantimentos até materiais para montagem das barracas em áreas invadidas. A onda de invasões começou em março de 2016, quando lideranças de fora da Reserva Indígena tomaram dezenas de propriedades e expulsaram os moradores. 

Na tarde desta terça-feira, por exemplo, um caminhão esteve na área para descarregar madeiras que estão sendo usadas na edificação de barracos para os invasores e o número de famílias na área invadida não para de crescer. O Diário MS recebeu via whatsapp um vídeo mostrando o momento da chegada do caminhão. Confira o vídeo no final deste texto. 

A Polícia Federal foi acionada pelos proprietários e chegou a ir até o local das invasões, mas as lideranças indígenas se negaram a cessar a violência. Os sitiantes apontam que a ampliação da invasão está sendo articulada por paraguaios que têm identidade indígena, alguns, inclusive, pertencentes à família Veron, (foto ao lado) que que há uma década mantém a invasão à Fazenda Brasília do Sul, em Caarapó. Outra denúncia dos sitiantes é que os coordenadores da invasão estariam exigindo dinheiro dos proprietários para deixar a área e que a tentativa de extorsão contaria, inclusive, com intermediação de funcionários da Funai. 

Ao tomar conhecimento dos fatos, o ex-vereador Aguillera de Souza, uma das mais expressivas lideranças indígenas de Dourados, fez um desabafo: “Eu fico muito revoltado com esta situação, onde meus parentes indígenas estão sendo usados por algumas pessoas também indígenas”. As críticas de Aguillera foram firmes: “eu chamaria este ou aquele índio de cafetão, que vende sua própria comunidade, seu próprio povo. Se torna um índio mercenário. Não dá para entender, mas com certeza tem sim máquina política por de trás desta situação a fim de ser beneficiados nas urnas”, enfatizou. 

O eventual envolvimento da Sesai com as invasões em áreas urbanas vizinhas à Reserva Indígena também foi criticada por Aguillera de Souza: “este Fernando (chefe estadual da Sesai), não pertence à etnia do Cone Sul, terra dos Guarani. Ele é da tribo terena e acaba manipulado e manipulando os guaranis desta região. A Polícia Federal precisa apurar esta denúncia que a invasão virou um negócio”, desabafou. 

PROFESSORES DA UFGD 

As invasões nas áreas vizinhas à Reserva Indígena também estão recebendo apoio de um grupo de professores da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), que estão levando desde cesta básicas até colchonetes para os invasores. Um dos veículos usados para levar suprimentos aos índios é uma Toyota RAV4, prata, placas NRQ-0579, de Dourados, em nome de Marcia Yukari Mizusaki, que logo após abastecer os invasores fez a seguinte postagem no Facebook: “Dias difíceis. Nossos irmãos divididos, humilhados e abandonados pelo Estado. Cada dia, uma luta árdua pela (re)existência. A professora da UFGD ainda postou 23 fotografias que foram tiradas das áreas invadidas pelos índios, cujo álbum no Facebook foi descrito como “Tierra Vermelha Audiovisual – Retomadas – Guarani Kaiowá”. 

EXPLORAÇÃO POLÍTICA 

Além da denúncia de pedido de dinheiro para deixar áreas invadidas no entorno da Reserva Indígena, alguns sitiantes afirmam que o apoio da Funai e da Sesai às invasões teria fundo político—eleitoral. Eles afirmam que o atual coordenador distrital de Saúde Indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena, Fernando de Souza, que é suplente de vereador em Dourados, estaria usando as invasões para se promover politicamente. 

Fernando Souza foi indicado ao cargo de chefe da Sesai em Mato Grosso do Sul pelo deputado federal Geraldo Resende (PSDB). Ele foi o coordenador da campanha de Geraldo nas aldeias nas eleições municipais de 2016, quando garantiu uma votação recorde entre os indígenas ao deputado, que acabou derrotado por Délia Razuk na disputa pela Prefeitura de Dourados. Como prêmio, Fernando Souza ganhou o cargo de chefe do Núcleo Regional da Funai e, mais tarde, virou coordenador distrital Sesai, que cuida de 75 mil índios e tem 1.200 servidores no Estado. 

O apoio de professores da Universidade Federal da Grande Dourados às invasões de propriedades no entorno da Reserva Indígena pode estar ligado ao fato de Fernando Souza ser servidor concursado na área da Saúde na própria UFGD. A preocupação dos sitiantes é que Fernando Souza esteja usando as invasões de propriedades particulares para favorecer politicamente a campanha de Geraldo Resende, que é candidato a deputado federal e estaria de olho no colégio eleitoral sob o domínio da Sesai em Mato Grosso do Sul. 

FUNAI 

Quando as invasões de áreas vizinhas à Reserva Indígena começaram, em março de 2016, a Funai divulgou nota afirmando que as áreas são objeto de reivindicação desde 1970. “Os procedimentos administrativos de identificação e delimitação das terras indígenas guarani-kaiowá foram objeto de Compromisso de Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público Federal, em 2007, com o objetivo de assegurar e efetivar os direitos territoriais desses povos, nos moldes do que preconiza a Constituição Federal de 1988”, afirmou a Funai. 

OUTRO LADO 

O chefe da Sesai no Estado, Fernando Souza, encaminhou a seguinte resposta ao Diário MS: “As informações se tratam de uma montagem com finalidade específica de denegrir a imagem de uma liderança indígena que de fato já ocupou um cargo na Funai e hoje ocupa a Coordenação do Distrito Sanitário Especial de saúde Indígena/DSEI/SESAI/MS devido a minha capacidade técnica profissional e ao meu histórico de lutas na defesa dos direitos indígenas conforme descrito em meu currículo Lattes”. 

Segue Fernando Souza: “a luta por território é uma causa geral neste estado que pouco ou nada respeitou os direitos dos povos originários. Para tanto, existem organizações indígenas respeitadas tais como Aty Guassu, Fórum de Caciques e Assembleia Terena, e cada retomada tem as suas lideranças especificas que tem a sua própria autonomia. Por outro lado, o Estado brasileiro tem órgãos específicos para atender as demandas dos povos indígenas”. 

Prossegue Fernando Souza: “no âmbito do Ministério da Justiça tem a Funai e no âmbito do Ministério da Saúde tem a SESAI, que apesar das várias limitações tentam cumprir suas missões e com orgulho participei e participo dessa coordenação e de fato fui indicado politicamente, como ocorre em todos os órgãos nos cargos de livre nomeação nas três esferas de governo e, no entanto, acima da confiança da indicação política está a confiança dos povos aos quais prestamos atendimento”. 

Finaliza Fernando: “isso gera simpatias e antipatias, não necessitando que eu faço a defesa de órgãos e instituições que se sensibilizam com a situação dos mais humilhados e abandonados pelo Estado brasileiro. Quanto a campanha eleitoral do pleito 2016, pela primeira vez coloquei o meu nome à disposição pleiteando uma cadeira na Câmara Municipal de Dourados, resultando em uma suplência o que não me proporciona mais do que uma eventual oportunidade ascender àquela casa, o que não me impede de continuar na militância e na defesa dos meus princípios e ideais”.