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Política

Sistema que fiscaliza gastos de deputados gera 680 denúncias na Câmara

Grupo de profissionais criou em novembro projeto para checar despesas de parlamentares; oito deputados já devolveram dinheiro depois de despesa irregular ter sido reconhecida pela Câmara.

G1

25 de Janeiro de 2017 - 08:14

Um programa de computador desenvolvido por um grupo de oito profissionais de diversas áreas e que fiscaliza gastos de deputados federais feitos com verbas indenizatórias gerou desde novembro 680 denúncias na Câmara de supostas irregularidades no uso do dinheiro público.

Na semana passada, o grupo responsável pelo projeto, batizado de "Operação Serenata de Amor", fez um mutirão para analisar as notas fiscais dos deputados. Foram encontrados 3,5 mil casos suspeitos.

O sistema, apelidado de "robô Rosie", analisa as notas fiscais de prestações de contas introduzidas pelos deputados no portal da Câmara na internet. O programa também faz cruzamento de informações de bancos de dados públicos, como o da Receita Federal.

Dentre os casos que o sistema identificou como suspeitos, 849 já foram auditados e 629 viraram denúncias encaminhadas para a Câmara. As denúncias dizem respeito a despesas que totalizam R$ 378 mil reembolsadas pela Câmara para 219 deputados.

Os responsáveis pelo projeto – profissionais das áreas de sistemas de informação, matemática, comunicação social e sociologia – utilizam o número da nota fiscal apresentada pelo parlamentar e verificam, por exemplo, se o estabelecimento onde foi feito o gasto existe ou se pertence a um parente do político, além de emitir alertas para gastos considerados suspeitos, como valores elevados, notas emitidas no mesmo dia em locais distantes e consumo de bebidas alcoólicas.

Feita a checagem, o grupo encaminha denúncia para a administração da Câmara, que faz uma verificação das prestações de contas. Caso seja identificada irregularidade, o deputado é notificado.

Nos últimos três meses, oito deputados devolveram dinheiro que havia sido indenizado pela Câmara. Ao todo, os oito parlamentares devolveram aos cofres da Câmara R$ 1.684,43, volume de recursos irrisório em comparação com o orçamento bilionário da Câmara, mas um indicativo de como cidadãos podem fiscalizar a aplicação do dinheiro público.

Entre as irregularidades já encontradas e reconhecidas pela Câmara estão compras de cerveja nos Estados Unidos, pagamento de dois almoços no mesmo dia, pagamentos de almoços para outras pessoas em churrascarias, contratação de serviços postais para campanha do político e pagamentos das refeições de 13 pessoas em um mesmo dia.

Deputados justificam

Com o dinheiro da Câmara, por exemplo, o deputado Afonso Motta comprou uma cerveja enquanto almoçava em um restaurante em Las Vegas, nos Estados Unidos, em abril de 2015. O valor, convertido do dólar, de R$ 23,37, foi devolvido em dezembro do ano passado. O deputado informou que, por um equívoco, o valor foi lançado junto com as demais notas da prestação de contas da viagem. Constatado o erro, o valor foi restituído.

O atual prefeito de Uberlândia (MG), Odelmo Leão, foi reembolsado em fevereiro de 2015, quando era deputado federal, por um gasto de R$ 190,05 com serviços postais destinados à sua própria campanha eleitoral de 2014. Após denúncia e notificação da Câmara, devolveu os recursos quase dois anos depois. O prefeito disse que houve equívoco dos Correios na emissão da nota e informou que o dinheiro foi devolvido no mesmo dia em que foi notificado pela Câmara.

O sistema também indicou que o líder do PSD e candidato à presidência da Câmara, Rogério Rosso (DF), custeou, com verba da Câmara, uma refeição para três pessoas em uma churrascaria de Brasília. Rosso devolveu na última quinta-feira (19) o valor de R$ 175,69. O deputado disse que as notas fiscais de suas despesas como parlamentar "são verificadas com o absoluto rigor e critério pelo seu gabinete. Eventuais equívocos serão sempre imediatamente corrigidos”.

O valor da cota parlamentar que um deputado recebe varia de acordo com o estado de origem e pode chegar a R$ 45,6 mil ao mês. O parlamentar é autorizado a usar esse dinheiro para custeio de passagens aéreas, telefonia, serviços postais, alimentação, combustível e hospedagem, entre outros itens de despesa. Não é permitido, por exemplo, que o deputado use a verba para pagar a refeição de outra pessoa. Gastos referentes a atividades eleitorais também são proibidos.

A origem do projeto

O projeto começou com uma conversa entre os organizadores, que se conheceram por atuar no mercado de tecnologia e desenvolvimento de aplicativos. Aos poucos, a rede foi construída por amigos e conhecidos de amigos. Eles quiseram aproveitar a tecnologia que já usavam no cotidiano profissional para verificar casos de mau uso de dinheiro público.

"Todo mundo se conheceu por trabalhar com ciência de dados", explicou o supervisor de comunicação e investigação do projeto, Pedro Vilanova.

Atuam no "Serenata" jovens que vivem em várias cidades, entre as quais Brasília (DF), Campinas (SP), Porto Alegre (RS) e Milão (Itália).

O desenvolvimento do sistema foi viabilizado por uma "vaquinha" digital que arrecadou R$ 80 mil. Agora, o grupo busca uma nova arrecadação digital para manter o trabalho. O objetivo é atingir a meta de arrecadar R$ 45 mil.

O sistema foi batizado de "Operação Serenata de Amor" em referência a um escândalo ocorrido nos anos 90 na Suécia, que ficou conhecido como “Caso Toblerone”. Com base em compras do chocolate, investigadores descobriram que a candidata mais cotada ao cargo de primeira-ministra do país europeu havia usado verba pública para cobrir gastos pessoais.