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Sidrolândia

Sorriso de Aninha foi iluminar o céu e deixou órfãos até quem não a conheceu

Flávio Paes/Região News

08 de Novembro de 2020 - 19:02

Sorriso de Aninha foi iluminar o céu e deixou órfãos até quem não a conheceu
Aninha na sua curta trajetória pela terra, mesmo com uma saúde frágil, foi uma criança de alegria contagiante, que experimentou a saudável e inocente peraltice infantil. Foto: Arquivo Pessoal

Confesso que não sou exatamente um jornalista emotivo. Em 40 anos de profissão, sempre procurei a objetividade do relato dos fatos. Porém sempre haverá uma primeira vez para que a racionalidade se renda à emoção. Por alguma razão, a história de Aninha, uma menininha de 8 anos, portadora de uma doença congênita, que a obrigava a passar por três sessões semanais de hemodiálise em Campo Grande, me comoveu às lágrimas.

Mais do que um número na fúnebre estatística do Covid-19, a 30ª paciente que teria sido levada pelo novo coronavírus em Sidrolândia, conforme o boletim da Secretaria de Saúde, o testemunho dos seus pais revela ao mundo que Aninha na sua curta trajetória pela terra, mesmo com uma saúde frágil, foi uma criança de alegria contagiante, que experimentou a saudável e inocente peraltice infantil.

Pelas redes sociais, colegas e professores da Escola Municipal Cacique João Batista Figueiredo, onde fazia a 2ª série do Ensino Fundamental, além de familiares, a homenagearam de forma comovente.

Filha caçula de Flávio Ortiz e Roseli, pais de outros 4 filhos, nos 4 primeiros meses de vida, sua casa foi o CTI da Santa Casa, sob a vigília permanente da mãe. Como sequela do seu problema congênito nos rins, teve que fazer um procedimento cirúrgico, pielostomia para conseguir urinar. Por sete anos, usou fraldas, fez cirurgias, retirou rim e há seis meses passou a fazer hemodiálise.

Ainda muito abalado, com a voz embargada, entrecortada pelo choro, Flávio, descreve a filha com uma emoção que arrebata quem ouve. "Ela era uma guria alegre. Você não via tristeza nela. Se você ligar na clínica, pergunta: - quem foi a minha filha? A guriazinha de Sidrolândia que fazia tratamento lá, que vão te dizer, ela era tudo", declara.

Flávio tem na memória a lembrança de uma criança ativa, que não parava, brincava o tempo todo. "Ela estava sempre tentando fazer o melhor para os outros. Você não via ela triste, não. Era sempre sorrindo, sempre tentando alegrar a gente que conviveu com ela".

Sem recursos para custear o tratamento particular, mais do que amor e dedicação, teve de travar, com ajuda da Defensoria Pública, uma batalha jurídica contra a Prefeitura e o Governo, para assegurar que o SUS garantisse atendimento para filha. Só para conseguir agendar o atendimento de especialista (um urologista pediátrico), tiveram de recorrer à Justiça.

Entre a petição inicial impetrada pela Defensoria dia 27 de novembro de 2017 e a decisão favorável do Tribunal de Justiça (instância que Prefeitura e o Estado recorreram após perderem em 1ª instância, em maio de 2018) transcorreram um ano e 4 meses até que em março do ano passado, a 4ª Câmara Cível manteve a decisão do juiz Fernando Moreira Freitas. Inicialmente a Prefeitura alegou que não agendava consulta com o nefrologista pediátrico porque não havia este especialista no quadro de médicos da rede pública em Campo Grande.

Antes da internação de Aninha no Hospital Universitário, para onde foi levada com um quadro de infecção causado por uma bactéria detectada no cateter que usava na sessão de hemodiálise, a família se preparava para iniciar outra batalha, desta vez em busca de um transplante, única esperança para ela se livrar da desgastante maratona semanal da hemodiálise em Campo Grande. A Secretaria de Saúde já havia providenciado as passagens de avião para que dona Roseli no próximo dia 12 levasse a filha para Belo Horizonte, onde passaria por consulta no Hospital Felipe Rocho, referência no País em transplante renal.

Este novo capítulo que poderia ser o início de um enredo com final feliz, começou a ser abortado no último dia 24 de outubro, um sábado. A menininha, que pelas palavras do pai ainda desolado com a perda, era a alegria e o sorriso da casa, foi levada da Clínica Pró-Renal, onde fazia hemodiálise, para o Hospital Universitário, tremendo e febril.