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Sidrolandia

Aumenta número de mortes de bebês com a crise da saúde em Dourados

Segundo os últimos dados disponíveis no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do SUS, em 2010 morrem 59 crianças dessa faixa etária em Dourados.

Midiamax

28 de Novembro de 2012 - 14:00

O dado mais grave que se pode extrair do 'Relatório de Gestão' da Secretaria Municipal de Saúde de Dourados, relativo ao período de janeiro a dezembro de 2011, é o que aponta aumento da mortalidade infantil de zero a um ano de vida na cidade.

É uma escalada que começou em 2009, quando a prefeitura entrou em colapso, na gestão de Ari Artuzi. Mas o aumento da mortalidade infantil continuou nos anos seguintes, e pode ter se agravado em 2012, diante da gigantesca crise no SUS em Dourados, na gestão do Murilo Zauith, agora reeleito.

Segundo os últimos dados disponíveis no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do SUS, em 2010 morrem 59 crianças dessa faixa etária em Dourados.

Do total, 35 mortes foram decorrentes de problemas no parto e pós-parto, para bebês de até um ano de vida. Na faixa etária de 0 a 9 anos, o número de mortes chegou a 79 crianças.

Segundo o próprio relatório de Gestão da Saúde de Dourados, por causa disso o município foi rebaixado para o nível 'intermediário de vida', de acordo com os padrões da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Um dos principais indicadores da OMS para aferir a qualidade do atendimento da saúde é o Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI), porque, segundo o relatório, as crianças menores de um ano são as mais sensíveis em relação às “mudanças na saúde”.

Duas outras causas de morte, diretamente afetadas pelos problemas relacionados ao atendimento, também cresceram: as neoplasias (tumores) e as ‘causas externas’ – os acidentes de trânsito, que requerem assistência hospitalar urgente e eficaz.

Como Dourados é o centro de uma imensa macrorregião composta por 35 municípios, habitada por quase 800 mil pessoas que utilizam hospitais do SUS da cidade, os números da mortalidade no SUS regional são seguramente maiores.

Falta de gestão e transparência

Segundo dados do Fundo Municipal de Saúde de Dourados, em 2011o município teve uma receita para o atendimento do SUS de quase R$158 milhões, para uma despesa realizada de R$ 152.8milhões, incluindo a do  Hospital Universitário da UFGD.

Em 2012, o orçamento cresceu, e para 2013 a proposta da prefeitura é de R$ 187 milhões para os gastos com a saúde pública do SUS.

Mesmo com esses números, a direção do maior hospital do SUS do município, o Hospital da Vida, alega prejuízos que beiram aos R$ 30 milhões. O HV é municipal, com gestão terceirizada do Hospital Evangélico por contrato com a prefeitura. Assim, em face do prejuízo milionário, em 2013 a diretoria do Evangélico ameaça devolver o HV para a Secretaria Municipal de Saúde.

Para o diretor clínico do Hospital da Vida, o médico Luiz Arruda Lemes, a crise se deve à distribuição incorreta de recursos. Ele denuncia o que considera supercontratos com clínicas médicas, diretamente contratadas pela prefeitura.

“Quando se credencia serviços, ou pessoas pra exercer atividades da Secretaria Municipal de Saúde, e que se paga valores acima daquelas tabelas pactuadas com o SUS, é uma forma de evasão de dinheiro, e que não vai contemplar aquilo que é necessário”, afirma Arruda, categórico.

Em 2011, segundo o ‘Relatório de Gestão’, foram gastos em toda a rede municipal R$ 74.4 milhões em salários e obrigações trabalhistas de médicos e funcionários.

No item não detalhado “Outras despesas correntes”, o gasto foi de R$ 72.6 milhões”. E o empenho para custeio das empresas terceirizadas do setor foi de R$ 42.7 milhões.

E ainda há um gasto com ‘Contribuições’, que difere de ‘Salários + Obrigações Trabalhistas” da ordem de R$ 24.7 milhões, mas sem explicações adicionais. Informação do Conselho Municipal de Saúde fala em pagamento de 'serviços'.

Os detalhamento dos gastos são números que nem o presidente do Conselho, Demétrius Pareja, sabe explicar, por não ter, segundo ele, acesso às planilhas de custos.

“Ali estavam terceiros, pagamentos diretos e indiretos, eu não sei, essa questão é justamente o que a gente gostaria de ver”.

Já o diretor técnico do HV é mais taxativo: “Existem pessoas que são credenciadas para executar alguns trabalhos e atos de saúde para a Secretaria de Saúde, e que ganham acima daquilo que é pactuado no SUS. Para conseguir esses profissionais, a secretaria paga duas, três ou quatro tabelas SUS, e isso é recurso que vai faltar em outra área”, assevera.

Pareja, por sua vez, afirma que o Hospital da Vida recebe, hoje, dos R$ 2 milhões mensais, e desse valor são repassados aos médicos R$ 1.1 milhão.

“Quem tem o contrato da gestão com o Hospital da Vida? A Associação Beneficente Douradense, o Hospital Evangélico. Mas ela recebe esses R$ 1.100 milhão e passa para os médicos, já tem definido quanto que é da ortopedia, quanto que é do pronto-socorrista, quanto é da UTI’, garante.

Cartelização de clínicas médicas

Para o presidente do Conselho Regional de Saúde, o fato da Secretaria de Saúde contratar diretamente os médicos especialistas do SUS provoca distorções financeiras.

Segundo Demétrius Pareja, os médicos se organizaram em clínicas para atender ao SUS e, desde 2008, negociam diretamente com a prefeitura, sem a participação do Hospital da Vida.

“Eles mudaram a lógica de pagamento, que era a lógica de produção. Antigamente, eles recebiam pelo que eles produziam. Hoje eles recebem pelo pacotão. Então essa lógica pode ser entendida até como má gestão, e realmente é. Os médicos estão recebendo duas ou três vezes a tabela do SUS, enquanto a Associação Douradense, que faz a gestão, não recebe pelo que é produzido”, garante Pareja.

Nesse ponto, há claramente um ‘conflito de interesses’ em torno das verbas do SUS entre médicos e os gestores do Hospital da Vida.

O presidente do Conselho afirma que “ainda que sejam bem remunerados, hoje se você falar com cada clínica dessas, elas estão bastante insatisfeitas, querendo um aporte de recursos do Hospital da Vida pro pagamento dos seus médicos”.

Pareja também afirma que a prática se estende aos ortopedistas, anestesistas e neurologistas, entre outros. “Precisaria ser visto até que ponto existe uma cartelização”, diz ele.

O presidente do Conselho garante que as equipes apresentam ao hospital, mensalmente, a escala de trabalho para o ‘plantão remoto’, realizado por telefone, em alguns casos,e eles recebem a remuneração correspondente como se fosse atendimento no hospital.

“Eu acho que ainda há algumas inversões de prioridades, hoje a nossa folha de salários na saúde é inchada”, diz ele. A menção significa que, para ele, tem gente desnecessária na folha de pagamentos.

Governo estadual ausente

O diretor técnico do Hospital da Vida, Luiz Arruda Lemes, o governo do Estado tem manifestado pouca vontade em resolver o problema da falta de gestão.

“Veja o que está ocorrendo aqui”, diz ele. “O Estado não está ignorando isso, porque nós temos comunicado com muita frequência, os administradores aqui do Hospital da Vida tem procurado o governo do Estado, a Secretaria de Estado da Saúde, e me parece que não há tão boa vontade de resolver o problema daqui”, garante ele.

Para o médico, todo o SUS no MS tem distorções, com valores pagos para determinados hospitais, mais que falta em outros.

“Tem um dado interessante com relação aos recursos do Estado para os hospitais: nós temos notícias que o Hospital Regional, em Campo Grande, recebe uma verba do governo que gira em torno de R$ 12 milhões/mês. Se nós recebêssemos essa verba por ano, nosso problema estaria resolvido, mas não, é só R$ 850 mil, R$ 1.200 milhão. Há distorções, de fazer ou não fazer as coisas”, conclui Arruda.

Nota da Secretaria de Saúde

A pedido da reportagem, que em e-mail enviou todos os pontos abordados na reportagem para a assessoria da prefeitura de Dourados, a Secretaria Municipal de Saúde enviou a nota abaixo, genérica.

“A Secretaria de Saúde de Dourados mantém conversas com o governo do Estado e com o Ministério da Saúde na tentativa de aumentar o aporte de recursos destinados ao município para atendimento do SUS. Os entendimentos com o Hospital Evangélico, que gerencia o Hospital da Vida, também continuam em andamento, visando melhorar e ampliar os serviços prestados à população.

Dourados é referência em saúde pública para uma região com pelo menos 800 mil habitantes e a prefeitura, em conjunto com o governo do Estado, tem buscado solução para os problemas de atendimento hospitalar, que são de conhecimento de todos”.