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Sidrolandia

Capital tem 911 edifícios, mas já começa a criar suas ilhas verticais

Concentrados, eles mostram uma cidade que não está pensando sua expansão.

Midiamax

30 de Novembro de 2016 - 15:27

“A legislação não está cuidando do olhar mais abrangente e determinando normas que impossibilitem a geração de Castelos e de Muralhas”. Castelos e Muralhas? Em Campo Grande? No ano de 2016? Pode parecer absurdo, mas a gente explica. A analogia feita pelo arquiteto, professor e pesquisador da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Ângelo Arruda, tem tudo a ver com a expansão da Capital sul-mato-grossense. Com 911 edifícios, a Capital engatinha na sua verticalidade, mas a questão principal é: para onde engatinha. A concentração de mega edifícios no entorno do Shopping e Parque das Nações, além do perigo de colocar, em um só lugar, os maiores prédios da cidade, mostra mais do que parece: uma cidade que cria ilhas medievais: lugares altos, fechados e desconectados do resto da cidade.

“Eu te dou um exemplo: tem um empreendimento, pra mim, excepcional, lá no Parque das Nações Indígenas, do lado da Cassems, um prédio branco, olhando pro Parque: ele tem recuo de 10 metros na lateral, ele tem vaga pra estacionamento na frente, ele tem calçada acessível, ele tem até a maquininha pra você pegar o plástico e pegar o cocô do cachorro. Ele é um empreendimento que caminha nessa direção que eu estou falando, mas, em volta, não tem comércio, não tem nada, porque essa categoria de população quer comprar algo um pouco mais afastado e quer ter a visão do Parque dos Poderes”, conta Ângelo.

À frente do “Observatório de Arquitetura e Urbanismo da UFMS”, o pesquisador tem uma nova empreitada à caminho: um mapa da densidade urbana da Capital, ou seja, onde e como estão morando as pessoas. O “Estudos de densidade, verticalidade e sustentabilidade”, ainda em desenvolvimento é o documento que traz, entre outras características, um novo olhar sobre os edifícios de Campo Grande.

Prédio onde, como e porquê

Os prédios, ainda que poucos, são um retrato de como a cidade se expande. A questão não está em quanto, e sim, em onde. É o que explica o professor. “O número de prédios em Campo Grande é muito pequeno. E eu vou dizer mais, são 911, mas esses 911… são 270 edifícios com mais de 6 pavimentos, isto numa história com mais de 100 anos. Então, o problema não é o número, não é a quantidade, é onde eles estão posicionados e quem é o entorno desse posicionamento”.

Para explicar a questão o professor contrapõe dois empreendimentos. Um deles, o conjunto de prédios pequenos, de apartamentos, entre a Rua Bahia e a Joaquim Murtinho. Em volta deles? ‘Densidade correta, abaixo de 300 habitantes por hectare, caminhabilidade em todo o entorno. Dá pra sair à pé, com serviços necessários para o funcionamento de uma família’. Uma vida social acontecendo ali, uma cidade que coloca os habitantes para a convivência. O outro: conjunto habitacional ao longo da Interlagos, na beira da Mata da Floresta: no entorno? Nada. Bom, ao menos nenhuma padaria, nenhum mercado, nenhuma feira: apenas uma longa avenida, com uma rotatória perigosa, que pode causar um estresse danado só na tentativa de um morador ao ir buscar um pão na padaria, nas palavras de Ângelo.

No Shopping e na Interlagos, então, é que vão surgindo as tais ilhas medievais. Essas concentrações, conforme conta o pesquisador, não falam apenas da estrutura da sociedade, falam de uma necessidade de isolamento que preocupa até psicanalistas: recentemente Christian Dunker lançou o livro “Mal-estar, sofrimento e sintoma: Uma psicopatologia do Brasil entre muros”, que analisa o funcionamento psicológico de quem vive em condomínios, que são, aliás, uma paixão brasileira.

“Agora, não precisa exagerar, não precisa se fechar tanto, que você vai criando ilhas medievais em pleno século XXI. Quem que fazia isso? A idade média fazia isso com muita clareza, se isolava nos morros, nas montanhas e nas rochas para se proteger do inimigo que estava lá embaixo. Porque isso faz parte da essência da cidade, a essência da convivência da cidade moderna, quer dizer, eu ter um ambiente em que eu não me isole do resto do mundo, imaginando que me isolar do resto do mundo vai me proteger, vai proteger meus filhos etc. No caso específico desses [prédios], que vão gerar, no curto prazo e no longo prazo, imensos problemas.”, explica Ângelo.

E o que pode fazer o poder público? É o que explicou o professor. O poder público – seja ele municipal, estadual ou federal – pode dizer como, onde e porquê. Pode levar, inclusive, prédios em lugares nos quais a densidade populacional peça por eles. Ao poder pública cabe as diretrizes.

Ao menos dois dispositivos deveriam orientar a expansão predial em Campo Grande: O “Plano municipal de habitação de interesse social de Campo Grande – Phabis - e a “Lei de uso e ocupação do solo em Campo Grande”.

“A política de habitação de interesse social de Campo Grande, prevê que, um cidadão, um empresário, por exemplo, chegue para mim e fale: ‘eu quero construir 500 casas’. Se eu sou a Prefeitura, eu pergunto: ‘onde?’ Aí ele fala: ‘lá no Jardim Veraneio’. Eu falo: ‘não senhor, Jardim Veraneio não é nossa prioridade’. Qual é a prioridade da Prefeitura? Ninguém faz essa pergunta. A Prefeitura não discute essa prioridade e o mercado não faz essa pergunta, o mercado chega com a terra comprada, o projeto aprovado pela Caixa e pedindo pra Prefeitura pra aprovar o empreendimento: faca no pescoço”, comenta o professor.

A cidade não para, a cidade só cresce

Mas, assim como afirma Chico Science na música “A cidade”: ‘A cidade não para, a cidade só cresce/ O de cima sobe e o de baixo desce’, Campo Grande é uma Capital em expansão, e, se essa expansão não for discutida, quem fizer a cidade crescer, a faz crescer na lógica desigual: o de cima sobe, e o de baixo desce. Vazios urbanos, pouca densidade em bairros periféricos e moradias caras: é a iniciativa privada ditando as regras da cidade.

 “Foi o setor público, no passado, que fez Moreninhas, José Abraão, Estrela do Sul, Maria Aparecida, os mega conjuntos habitacionais que fizeram com que Campo Grande se espraiasse nas suas saídas não foi a iniciativa privada que fez, olha que heresia. Hoje, o setor público saiu fora, ele não produz mais esse volume do passado, dos anos 1980 pra cá, ele delegou os programas públicos para a iniciativa privada. Entretanto, o poder público tem ferramenta pra dizer: eu não quero ali, eu quero aqui e ele não as usa”, critica Ângelo.

Questionada sobre o controle do aumento do número e concentração de prédios em Campo Grande e sobre os dispositivos de aprovação, a administração municipal respondeu que “Segundo a Divisão de Fiscalização e Licenciamento Urbanístico o proprietário deve fazer a contratação de um profissional (Arquiteto ou Engenheiro), verificar a legislação para a construção do imóvel, e obter a aprovação digital. O imóvel deve atender todas as exigências previsto em lei”.

“Atendendo todas as exigências será obtido um alvará de construção para dar início ao empreendimento. A Prefeitura até o momento não disponibiliza do levantamento do aumento de prédios”, declarou, por meio da assessoria de comunicação.

Enquanto isso, Ângelo conta que o novo Plano Diretor de Campo Grande é feito às pressas: “feito em ano eleitoral, feito em curto espaço de tempo e não teve a discussão ampliada que ele deveria ter. Eu fiquei dois anos estudando vazios urbanos, estou há um ano e meio estudando densidade. É o tempo que a gente precisa pra conhecer o problema. Estes grupos juntos, com permeabilidade, com caminhabilidade, pode melhorar a vida de todo mundo. Vai ser muito melhor do que fazer aqui uma torre com 30 pavimentos, colocar todo mundo trancado com academia de ginástica”, comenta.

A OAB-MS (Ordem dos Advogados Seccional Mato Grosso do sul) divulgou uma nota em que afirma “ver com preocupação a falta de transparência da Revisão do Plano Diretor da Capital”.

“A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso do Sul (OAB/MS) vêm a público manifestar preocupação pela inobservância da gestão democrática através da participação da sociedade civil organizada na elaboração do ante-projeto de Revisão do Plano Diretor de Campo Grande. A instituição solicitou ainda a remessa do projeto de revisão do Plano Diretor que sintetiza a manifestação da sociedade civil para análise e posterior deliberação pela OAB, mas não houve qualquer resposta dos ofícios protocolados”, explica a nota.

E para lembrar, conforme alerta o professor: não há problema em construir casas que olhem para o céu: “Então acho que o nosso caminho é trabalhar para o aumento da densidade urbana, a densidade urbana é nosso grande vilão, não é a verticalidade”.