Sidrolandia
Com cirurgia liberada, transexuais têm batalha para trocar "nome oficial"
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G1
22 de Janeiro de 2011 - 08:52
A cirurgia para trocar de sexo é apenas parte da mudança que os transexuais enfrentam para criarem uma nova identidade. Além da operação que leva pelo menos 24 meses de preparação quando é feita no Sistema Único de Saúde (SUS) muitos deles passam anos brigando com a justiça para trocar de nome.
Foi o que ocorreu com Cristyane Oliveira, 37, que vive em Porto Alegre. Ela esperou dois anos para fazer a cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 2002. Depois, ainda levou cinco anos para conseguir retificar meus documentos. Eu tinha um direito conquistado e outro negado. Nos meus documentos, ainda era outra pessoa, conta.
A intimidade sobre a condição sexual, contudo, fica evidente quando o transexual não muda o nome. Com aparência e personalidade de mulher, tem que usar documentos de homem ou o contrário e contar ou não contar deixa de ser uma escolha.
Antes da cirurgia eu havia feito um curso de cabeleireira, mas não pendurava o diploma na parede porque o nome [escrito nele] não era o que eu tinha. É um sofrimento, é uma coisa que traz muitos incômodos, relata Cristyane, que montou um blog onde conta os desafios que tem que enfrentar como transexual.
Barrada no restaurante
O constrangimento vai além de ter documentos que mostram um sexo diferente. Paula (nome fictício), 29, fez a cirurgia de readequação sexual há quatro meses, e conta que teve problemas ao entrar no restaurante da universidade onde estuda, em São Paulo. A mulher que cuidava da entrada achou que eu estava usando a carteirinha de outra pessoa. Ela falou alto, gritou comigo, relata.
A estudante conta que, antes da cirurgia, chegou a entrar na Justiça pedindo que o nome e o sexo em seus documentos fossem mudados, mas não obteve parecer favorável. Agora, com o sexo fisicamente mudado, pretende enfrentar uma nova batalha judicial. Não quero perder oportunidades por causa do meu nome.
Carla Amaral, 38, de Curitiba, vive o problema oposto. Há três anos, ela entrou ná Justiça e mudou o nome e o sexo em seus documentos, mas ainda não conseguiu fazer a cirurgia pelo SUS. Eu estou há cinco meses esperando a primeira consulta, conta ela, que é diretora-presidente de uma ONG que luta pelos direitos de travestis e transexuais.
Apesar de não ter operado, Carla é oficialmente uma mulher, e em seus documentos não há indícios de que ela nasceu com corpo masculino. Ela poderá se aposentar antes dos homens, pagar menos no seguro do carro e se casar de forma comum sua união com um homem não é considerada um relacionamento homossexual.
Segundo a advogada Maria Berenice Dias, especialista em Direito Homoafetivo, casos como esse têm sido cada vez mais comuns, e representam um avanço na Justiça brasileira. Nem sempre as pessoas querem fazer a cirurgia. A mudança do feminino para o masculino, por exemplo, não é uma cirurgia bem-sucedida. Além disso, o exercício da sexualidade não tem muito a ver com a genitália, defende.
Para a advogada, é necessária uma lei que permita aos transexuais trocar de nome e de sexo nos documentos sem a necessidade de entrar na Justiça. Ela admite, porém, que isso poderia trazer problemas inusitados.
Se a pessoa tiver filhos, quem era pai deixa de ser, passa a ser mãe. Tem gente que sustenta que quem tem filhos não pode trocar de nome. Na minha opinião, tem que trocar, mas o filho tem que ter acesso a essa informação.
Cirurgias gratuitas
Na área da saúde, os transexuais encontram menos problemas. Sua condição é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como transtorno da personalidade. Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto, define o documento internacional que classifica problemas de saúde.
Como a modificação dos órgãos sexuais é irreversível, é exigido que os candidatos passem por um tratamento psicológico ou psiquiátrico de dois anos, para ter certeza da escolha.
Feminino para masculino
No início deste ano, o governo de São Paulo anunciou que começará a realizar gratuitamente a retirada de órgãos femininos de transexuais que se consideram homens. As cirurgias liberadas serão a da retirada de útero e a de mama. A operação de construção do pênis não foi liberada porque só é permitida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em caráter experimental.
As técnicas para essa cirurgia não são boas ainda. Se alguém quiser fazer, vai ter que ser como pesquisa, relata o médico Edvar Araujo, relator da resolução do CFM que liberou a operação de retirada do útero, ovário e mama em transexuais.
Contar ou não contar?
Depois da modificação do corpo e dos documentos reconhecidos, os transexuais ganham a opção de manter segredo sobre terem nascido com um sexo diferente.
Não tenho nenhum problema de falar, mas não acho que seja uma obrigação. Não vou chegar em um coquetel e falar Sou Cristyane Oliveira, uma transexual. Paula, que fez a cirurgia há poucos meses, concorda. Se for uma pessoa importante, eu conto, mas na universidade, não falo. Quem sabe, é por causa dos meus documentos.
Carla, de Curitiba, diz que durante a adolescência tentou esconder, mas hoje não se preocupa mais com isso. Se as pessoas querem ser minhas amigas, meu amor, têm que saber quem eu sou, qual é a minha identidade, minha história.