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Sidrolandia

Dia do Índio: Famílias convivem em meio a miséria e falta de estrutura

Apesar da falta de alimento, o contato diário com outras pessoas levam as crianças a sonharem com o que muito dos adolescentes "da cidade" possuem.

Dourados News

19 de Abril de 2014 - 08:00

São em torno de 13 mil vivendo numa área restrita, praticamente dentro do perímetro urbano da maior cidade do interior de Mato Grosso do Sul, Dourados. O cenário de miséria e falta de estrutura e qualidade de vida é normal dentro da Reserva Indígena do município e neste 19 de abril, o Dourados News mostra como vivem algumas famílias no local.

Na Reserva, boa parte das famílias têm casa de alvenaria e vivem com mais segurança e tranquilidade. Porém, a realidade do casal Luciana Aparecida Reginaldo, 29 anos, e Josimar da Silva, 27 anos, com seus cinco filhos (de seis meses, 4, 9, 10 e 13 anos) – e mais um que está na barriga da mãe – é diferente.

Eles moram há quase um ano em um barraco de lona na Aldeia Jaguapiru. “Meu esposo está desempregado, então ele está fazendo bicos, carpindo terrenos para os outros para nós sobrevivermos. A cesta [básica] que recebemos dá para 10 dias no máximo, depois comemos mandioca e pucheiro”, conta Luciana.

No barraco, a dona da casa em sua simplicidade convida para entrar e diz, “não repare a bagunça”. No interior existe apenas uma cama de casal, onde as cinco crianças dormem, enquanto os pais ficam no chão. O aperto é tanto que a mais falante das crianças, de 10 anos, faz uma constatação, “não vai caber na cama quando o bebê nascer, vai ficar apertado”.

A “cozinha” é um fogareiro no chão, mas faltam os alimentos. “Preciso muito de um emprego, porque quando trabalhava não passava as necessidades que nós estamos passando. Eu passo uma semana sem comer”, conta o pai.

Questionados sobre o que gostariam de ganhar de Dia do Índio, se houvesse um presente, respondem, “roupa e cesta, além de um emprego. Casa com energia elétrica” também, afirma o casal. "Sonho em ter uma casinha para o cachorro também”, solta uma criança.

Apesar da falta de alimento, o contato diário com outras pessoas levam as crianças a sonharem com o que muito dos adolescentes 'da cidade' possuem.

“Sempre sonhei em ter uma bicicleta só para mim, ninguém aqui tem”, diz a menina de 10 anos, com voz de lamento. Mas continua, “queria ter uma cama só para mim, um quarto só para mim”, finaliza.

Em meio ao entusiasmo, o pequeno, de quatro anos dispara, “queria ter a bicicleta do Ben 10”.

Também questionada, a adolescente de 13 anos, diz ter vontade de morar numa 'casa de tijolo, e um netbook com internet, só que meu pai não pode comprar para mim'. Após o depoimento, o silêncio toma conta enquanto ela se esconde atrás do irmão menor que está em seu colo, deixando lágrimas rolar.

Depois de alguns momentos a jovem completa, “eu pedia tantas coisas para o pai, mas ele não consegue comprar para mim, os meus irmãozinhos pedem, ele fala que compra, mas quando ele consegue alguma coisa nunca consegue comprar. Meu pai queria até comprar um carro, mas ninguém ajuda ele, ninguém dá emprego para ele” (sic), conta a menina que sonha em ser professora de educação física.

Com o relato da menina, o silêncio paira no ar, os pais se olham com um meio sorriso no rosto e o lamento no olhar, pois a batalha é diária para providenciar o alimento aos filhos.

Mesmo morando em um barraco e sem energia, Brígida Rodrigues Cardoso, de 32 anos, diz que está muito bem agora, pois já passou por situações muito piores com seus cinco filhos.

Há aproximadamente três anos seu marido morreu depois de realizar uma cirurgia, ela ficou sem nenhuma renda, praticamente sem o que comer e morava num barraco de lona.

Brígida relata que atualmente está muito bem, “Ixi, agora tá bom, antes tava feio, consegui receber a pensão do meu marido que morreu, também recebo a cesta, agora dá para viver, agora tá bom (sic)”.

Recentemente, a indígena comprou tapumes e mandou fazer seu barraco novo. No passado, usava fogareiro, agora também tem fogão e comida todos os dias para a criançada. “O meu sonho agora era ter uma casa de tijolo com energia, queria muito assistir televisão”, finaliza.

O casal Silvana Rodrigues, 44 anos, e Digomar Gonçalves, 27 anos, moram atualmente em um barraco lona, pois tiveram que mudar da casa onde construíram com o próprio dinheiro, para sair do meio de brigas, segundo ele.

Eles têm um filho e Digomar está desempregado, “não consigo trabalho de carteira assinada, então faço bicos para sobreviver, às vezes vem cesta básica para nós, daí dá para uns 20 dias”, conta ele.

Silvana conclui que não tem o que se comemorar dentro da aldeia, “não tem o que comemorar, já fiz a inscrição de casas várias vezes e não vem para a gente, acaba indo para pessoas que vendem depois, a Funasa só vem aqui em caso de emergência”.

Asfalto

O asfalto também é uma reclamação dos moradores da Reserva Indígena, por conta do barro que fica em época de chuva.

A proprietária de uma pequena lanchonete, Maria Helena da Silva Machado, de 56 anos, reclama isso. “Deveria ter asfalto pelo menos na rua principal para que os as crianças que vão para a escola. Eu sei que não adianta reclamar, pois os políticos não estão nem aí com a gente”.

Maria Helena também critica o pouco uso da Vila Olímpica. “A Vila Olímpica não pode ser usada pela comunidade, às vezes o povo faz um grupinho para ir jogar bola a noite, mas ninguém deixa. Alguns eventos que acontecem promovidos pela comunidade também poderia ser lá, mas não deixam”, finaliza, sem citar os responsáveis pela proibição.

Funai

A reportagem tentou contato com a Funai e Funasa no início da tarde da quinta-feira (17), para esclarecer alguns pontos referentes às condições que vivem alguns indígenas, contudo nenhum dos telefones atendeu.