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Sidrolandia

Justiça de MS absolve lavrador condenado por furtar 20 maços de agrião

A defesa do lavrador recorreu ao princípio da insignificância sustentando que a planta furtada custava em torno de R$ 20,00.

Midiamax

26 de Março de 2011 - 10:52

A 1ª Turma Criminal do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) absolveu nesta semana o lavrador Vicente de Paula da Silva, que havia sido condenado a quatro meses de prisão por furtar cerca de 20 maços de agrião de uma horta que ele cuidava, em Fátima do Sul, cidade distante 237 km de Campo Grande.

A defesa do lavrador recorreu ao princípio da insignificância sustentando que a planta furtada custava em torno de R$ 20,00.

Alegou ainda que a dona da horta, uma servidora pública, não tirava o sustento do cultivo do agrião. O MPE (Ministério Público Estadual) votou contra o recurso do lavrador. A dona do agrião afirmou no processo seu agrião valia ao menos R$ 80,00.

De acordo com texto publicado pela assessoria de imprensa do TJ-MS, para o desembargador Dorival Moreira dos Santos, relator do processo, o apelo deveria ser provido, aplicando-se o princípio da insignificância e absolvendo-se da Silva, já que ele foi condenado pelo furto de 20 maõs de agrião de uma horta na qual já havia trabalhado. O apelante relata que de fato furtou alguns maços de agrião, para o consumo próprio e a uma tia, que prepararia um xarope.

“...eu peguei um maço de agrião pra comer uma vez, aí outra vez eu peguei cinco maços de agrião, ai eu comi três maço e dei dois pra minha tia Ciça”, declarou o lavrador, conforme publicado num trecho do processo.

O desembarador afirmou em seu despacho que o direito penal deve resumir-se à proteção de bens jurídicos relevantes, quando houver “lesividade expressiva à sociedade”.

“Deve, no entanto, ser feita uma ponderação em cada caso concreto sobre a solução mais adequada. No presente caso não há informação precisa da quantidade de maços furtados, apenas estimativa do dono acerca das 20 unidades, enquanto o apelante admitiu uma quantia bem inferior”, afirmou o magistrado.

Citando jurisprudência do TJ-MS e de cortes superiores, o desembargador expressou-se assim: “O furto não lesionou o bem jurídico tutelado pela norma, excluindo a tipicidade penal, dado o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente, o mínimo desvalor da ação e o fato não ter causado qualquer consequência danosa. (...) Do exposto, contra o parecer, nos termos do art. 386, III, do CPP, dou provimento ao apelo”.

Veja a decisão anunciada pelo desembargador

RELATÓRIO

O Sr. Des. Dorival Moreira dos Santos

Trata-se de apelação interposta por Vicente Paulo da Silva contra a sentença que aplicou-lhe pena de quatro meses de detenção pela prática de furto, referente a 20 maços de agrião subtraídos de uma horta. Pugna que seja aplicado o princípio da insignificância e seja absolvido da conduta imputada.

Afirma que o valor referente à res furtiva é ínfimo, aproximadamente R$ 20,00 e causou ínfimo prejuízo à vítima, que é servidora pública e não sobrevive do cultivo do agrião.(fls. 167-177)

O órgão ministerial manifesta-se pelo não provimento do apelo (fls. 180-185)

Parecer da Procuradoria de Justiça no mesmo sentido. (fls. 191-197)

VOTO

O Sr. Des. Dorival Moreira dos Santos (Relator)

O apelo deve ser provido, para que seja aplicado o princípio da insignificância e absolvido Vicente Paulo da Silva.

O apelante foi condenado a pena de 4 meses de detenção por ter furtado cerca de 20 maços de agrião de uma horta na qual já havia trabalhado. Não há nos autos informações precisas acerca do prejuízo enfrentado pelo dono da horta, que estimou que a hortaliça valeria cerca de R$ 80,00 e apontou a quantidade subtraída.

O apelante relata que de fato furtou alguns maços de agrião, para consumo próprio e para doar a uma tia para que preparasse xarope.

A defesa alega que a conduta causou prejuízo ínfimo à vítima, que é servidora pública e não sobrevive da venda dos produtos cultivados.

Não é necessário muito esforço para se constatar que o caso em comento comporta a aplicação do princípio da insignificância e a absolvição do agente.

Considerando que o direito penal deve ser a ultima ratio, sua utilização deve resumir-se à proteção de bens jurídicos relevantes, quando houver lesividade expressiva à sociedade. Deve, no entanto, ser feita uma ponderação em cada caso concreto sobre a solução mais adequada.

No presente caso não há informação precisa da quantidade de maços furtados, apenas estimativa do dono acerca das 20 unidades, enquanto o apelante admitiu uma quantia bem inferior.

Reproduzo suas declarações:

“...eu peguei um maço de agrião pra comer uma vez, aí outra vez eu peguei cinco maços de agrião, ai eu comi três maço e dei dois pra minha tia Ciça”. (fl. 17)

Tratando-se de conduta com ofensividade mínima, deve ser aplicado o princípio da insignificância para afastar a tipicidade e absolver o apelante, nos termos do art. 386, III, do CPP.

Sobre o tema, colaciono voto emblemático voto do Ministro do STF Celso de Mello, no HC nº 84.412-0/SP:

“Como se sabe, o princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentaridade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, consoante assinala expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134. item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal - Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTÔNIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

O princípio da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1. 2004, Saraiva): “Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.”

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado - que tem por destinatário o próprio legislador - e, de outro, o postulado da insignificância - que se dirige ao magistrado, enquanto aplicado da lei penal ao caso concreto, na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal - Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense) -, cumpre reconhecer, presente esse contexto, que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.”

Tal entendimento é reafirmado pela jurisprudência deste Tribunal e as Cortes superiores.

Vejamos:

“HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO TENTADO. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MÍNIMO DESVALOR DA AÇÃO. VALOR ÍNFIMO SUBTRAÍDO. IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA NA ESPERA PENAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE. ORDEM CONCEDIDA.

1. A conduta perpetrada pelo agente - tentativa de subtrair, mediante escalada, uma antena parabólica, avaliada em R$ 100,00 (cem reais) - insere-se na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela.

2. O furto não lesionou o bem jurídico tutelado pela norma, excluindo a tipicidade penal, dado o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente, o mínimo desvalor da ação e o fato não ter causado qualquer consequência danosa.

3. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

4. Ordem concedida para cassar o acórdão impugnado e restabelecer a decisão de primeiro grau que rejeitou a denúncia. Prejudicado o pedido de reconsideração da decisão que indeferiu a liminar.”

“HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. RES FURTIVA: PEÇA DE PICANHA E MOUSE AVALIADOS EM R$ 64,60. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DO WRIT. ORDEM CONCEDIDA PARA DECLARAR ATÍPICA A CONDUTA PRATICADA, COM O CONSEQUENTE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.

2. Verificada a excludente de aplicação da pena, por motivo de política criminal, é imprescindível que a sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a ausência total de periculosidade social da ação; (c) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004).

3. Tem-se que o valor do bem furtado pelo paciente, além de ser ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio da vítima, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância, reconhecendo-se a inexistência do crime de furto pela exclusão da tipicidade material.

4. Ordem concedida para, aplicando o princípio da insignificância, declarar atípica a conduta praticada, com o consequente trancamento da Ação Penal.”(HC 178178 – STJ - QUINTA TURMA – RELATOR MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO – JULG. 25.11.2010)

EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO – PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO VIRTUAL – REJEITADA – ABSOLVIÇÃO PELO RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – PEQUENA QUANTIDADE DE COMBUSTÍVEL – RECURSO PROVIDO.

A preliminar não pode ser acolhida, uma vez que o apelante foi citado por edital, tendo sido suspenso o prazo prescricional. O valor ínfimo da coisa subtraída, sem força para causar dano relevante ao patrimônio da vítima, não tem repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, sendo caso de absolvição, com força no art. 386, III, do CPP.” (TJMS - Apelação Criminal - Reclusão - N. 2006.017255-0/0000-00 – Brasilândia).

E M E N T A – APELAÇÃO CRIMINAL – RECURSO MINISTERIAL - FURTO TENTADO – ART. 155 CAPUT C/C ART. 14, II DO CP – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – ABSOLVIÇÃO FUNDAMENTADA NO ARTIGO 397, III do CPP – SENTENÇA MANTIDA – AUSÊNCIA DE LESIVIDADE JURÍDICA RELEVANTE – IRRELEVÂNCIA – RECURSO IMPROVIDO.

O direito penal moderno deve intervir somente nos casos em que a conduta do agente ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade de perturbações jurídicas leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de lesividade social que ocasionem. (Apelação Criminal - N. 2010.037812-4/0000-00 - TJMS - Segunda Turma Criminal- Relator Des. Manoel Mendes Carli - Julg. 24.1.20110)

E M E N T A – APELAÇÃO CRIMINAL – ART.184, § 2°, DO CP – ABSOLVIÇÃO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO – AUSÊNCIA DE CONTEÚDO MATERIAL DO CRIME – RECURSO MINISTERIAL PRETENDENDO A CONDENAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART.386, III, DO CPP – RECURSO IMPROVIDO.

O direito penal deve punir somente as condutas que atinjam de maneira mais veemente os bens jurídicos essenciais ao convívio em sociedade, sendo sua aplicação reservada, ademais, quando os demais ramos do direito foram insuficientes para cumprir essa função.

Na esteira do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância é aplicável quando os vetores da mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada se fazem simultaneamente presentes. (Apelação Criminal - N. 2010.024340-5 - Primeira Turma Criminal - Relator Des. João Carlos Brandes Garcia – Julg. 17.1.2011)

Do exposto, contra o parecer, nos termos do art. 386, III, do CPP, dou provimento ao apelo.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE E CONTRA O PARECER, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Presidência do Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.

Relator, o Exmo. Sr. Des. Dorival Moreira dos Santos.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Dorival Moreira dos Santos, Juiz Francisco Gerardo de Sousa e Desembargador João Carlos Brandes Garcia.

Campo Grande, 14 de março de 2011.