Sidrolandia
Rede Social: Orkut vai virar museu na web após fechar as portas
A antiga rede social do Google está criando um acervo de comunidades onde ficarão guardados posts e discussões importantes para a história da internet do país
EPOCA NEGOCIOS/ Folha
29 de Setembro de 2014 - 13:25
"Só add com scrap". "Leio, respondo, e apago". "Topo dos depoimentos". "Sou 80% legal, 90% confiável e 100% sexy". Se você esteve na internet durante os anos 2000, provavelmente deve se lembrar dos elementos acima, símbolos da era do Orkut. A "primeira rede social" de muitos brasileiros vai fechar as portas nesta terça-feira, 30, depois de dez anos de recadinhos, discussões em comunidades e depoimentos melosos.
Mas
não é o fim. A antiga rede social do Google está criando um acervo de
comunidades onde ficarão guardados posts e discussões importantes para a
história da internet do país. "O arquivo preserva a memória do Orkut,
registrando fenômenos do Brasil como a ascensão da classe C e a inclusão
digital", declarou o Google Brasil, em nota.
O jornal O Estado de S. Paulo teve acesso exclusivo ao acervo, que pretende ser
uma reprodução do que é o Orkut hoje, em seu último dia no ar. Ao todo, serão
mais de 51 milhões de comunidades, 120 milhões de tópicos e mais de 1 bilhão de
interações armazenadas no acervo.
Para estar lá, basta que uma comunidade seja pública e esteja visível a
qualquer um - o que não é o caso da "Eu Odeio Acordar Cedo", maior
comunidade do Orkut (com 6 milhões de membros) que se tornou privada após ser
vendida por R$ 5 mil. No acervo, será possível entrar nas comunidades e ver o
que foi discutido nelas, mas os donos das postagens serão identificados apenas
por seus nomes, sem fotos ou links para perfis.
Tal como num museu, será possível somente "apreciar" o conteúdo. Para
o Google, "o arquivo é uma cápsula do tempo do início das redes
sociais". Além do acervo, a empresa ainda criou uma ferramenta para que os
usuários guardem seus perfis, com fotos, recados e a descrição caprichada que
muita gente usava para impressionar os amigos. O backup pode ser feito até
setembro de 2016.
Fórum
Criada em 2004 pelo turco Orkut Buyuykotten, a rede social foi popular até
2011, quando foi superada pelo Facebook no Brasil, e passou ainda a ter um
"rival dentro de casa": o Google+, introduzido pela empresa naquele
ano para unir diversos serviços em um ambiente social. Ainda assim, o Orkut tem
seu público cativo até os dias de hoje: em junho de 2014, 4 milhões de
brasileiros usaram o site, segundo dados da ComScore.
"Nunca parei de usar o Orkut, para espanto das pessoas ao meu redor",
conta Leonardo Bonassoli, criador da comunidade "Futebol
Alternativo", que discute temas como a terceira divisão do campeonato
paranaense ou a rivalidade entre as seleções da Romênia e Hungria. "Nós
discutíamos o lado B do futebol."
Já o interesse em comum por notícias bizarras era o que unia os 80 mil membros
da "Anão vestido de palhaço mata 8", criada por Marcos Barbará.
"O Orkut era fantástico para conhecer pessoas, e as comunidades eram o
auge disso. Qualquer bizarrice encontrava eco lá", diz ele, que lançou um
livro com o título da comunidade, reunindo histórias como "americano
açoita namorada com atum" ou "Jesus aparece em banheiro e é vendido
por US$ 2 mil".
Figurinha
As comunidades não eram só ambientes de discussões. Algumas delas eram apenas veículo para piadas. É o caso da "Indiretas Já!" e da "Não vi Beatles, mas vi Molejo", criadas pelo publicitário Bruno Predolin, dono de 715 comunidades. "A maioria das minhas comunidades eram como figurinhas, todas levadas para o humor. Mas era parte do Orkut: se você queria conhecer alguém, as comunidades serviam para mostrar quem a pessoa era", diz.
Para
ele, o que vai deixar saudade é a comunidade Discografias, que reunia links
para download de música de forma ilegal, deletada em 2012. "Conheci muita
coisa de música brasileira ali", lembra. "O Orkut foi à iniciação
digital de muita gente", diz o rapaz, que chegou a receber R$ 500 por mês
do canal pago HBO para promover a emissora em seus grupos.
RG digital
O criador da Indiretas Já" não foi o único a capitalizar com o sucesso de
suas comunidades no Orkut. O humorista Maurício Cid, hoje conhecido pelo site
de humor Não Salvo, começou sua trajetória digital criando comunidades
engraçadinhas, como a "Quando pisei parecia água viva". "Tive
mais de mil comunidades, usava o Orkut como o Twitter, só com piadas. Um dia o
Orkut excluiu meu perfil por causa de uma denúncia. Foi quando eu resolvi que
tinha que ter um site próprio", explica ele, que hoje tem mais de 2,4
milhões de fãs no Facebook e é referência em humor na web no país.
"O Orkut era o RG digital do brasileiro", avalia o humorista, que acredita que a plataforma do Google tinha muitas vantagens com relação ao Facebook. "No Orkut, você ia atrás do conteúdo. O conteúdo não vinha te encher o saco", comenta. Apesar de ficar triste com o fim da rede social, Cid entende a decisão do Google. "Se um produto dá prejuízo, não tem porque deixar no ar. É dinheiro em jogo."