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Sidrolandia

Sem investimento, reforma do ensino médio pode piorar desigualdade, dizem especialistas

Texto final da medida provisória foi aprovado nesta quarta (8) no Senado; entre as preocupações de especialistas em educação está a abertura de precedentes para a privatização.

G1

09 de Fevereiro de 2017 - 17:00

A reforma do ensino médio aprovada no Senado Federal na noite desta quarta-feira (8) não terá os efeitos desejados caso não haja investimento na área, segundo afirmaram ao G1 especialistas em educação. Os senadores aprovaram o texto sem modificações por 43 votos a 13. Por se tratar de uma medida provisória, o texto tem força de lei desde a publicação no "Diário Oficial", em setembro.

Entre as preocupações levantadas pelos especialistas estão o risco de que o novo texto abra um precedente para a privatização de parte das atividades pedagógicas, e que, caso não haja um trabalho de formação específico no ensino fundamental 2, os estudantes podem sair prejudicados caso não estejam preparados para definir um "itinerário formativo" no início do ensino médio, quando eles têm, em geral, 15 anos, e podem não estar preparados para tomar essa decisão.

Para o conselheiro nacional da Educação Cesar Callegari, a reforma tem, ao mesmo tempo, partes positivas e problemas graves. Callegari diz que a proposta da flexibilização é boa, porém, há cinco anos, o governo criou o programa Ensino Médio Inovador com objetivo parecido e ele “empacou” por falta de recursos. Por isso, para a reforma sair do papel, é necessário investimento.

Outra crítica do conselheiro é que a reforma não toca em dois pontos cruciais para garantir a qualidade da educação no ensino médio: a formação de professores e a infraestrutura das escolas. “Haverá dinheiro para as inovações? A falta de recursos é a o nó dessa nova proposta. Também não se toca na questão do problema da falta de professores qualificados, da superlotação das salas de aulas. As questões estruturais permanecem aí agravadas pela PEC da limitação de gastos”, afirma.

Para Callegari, o texto [parágrafo 11 do artigo 4] da reforma também abre brecha para o ensino a distância no ensino médio, o que, segundo ele, ameaça o convívio e formação social do adolescente. "O convívio é fundamental para o jovem aprender o poder, aprender a lutar, a namorar... isso é coisa que se faz na escola, não pelo teclado. Ensino a distância vai levar ao barateamento da oferta de ensino."

Precedente para a privatização

Apesar de reconhecer avanços no texto aprovado no Senado, Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de desenvolvimento de pesquisas do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), afirma que as mudanças não deveriam ter sido feitas por meio de medida provisória. "A proposta altera significativamente a legislação vigente. Alteração de tal expressão exigiria um amplo debate entre os diferentes setores da sociedade e não uma discussão restrita e apressada, que pode resultar na ampliação das desigualdades educacionais", afirmou ele, em nota. Um dos riscos, segundo ele, é o fato de que municípios e estados mais pobres não poderão oferecer aos estudantes mais do que uma opção de "itinerário formativo".

De acordo com Batista, a principal preocupação é o fato de que o "texto abre um precedente para que ocorra a privatização de algumas atividades no ensino médio", porque "componentes que não têm caráter obrigatório poderão ser oferecidos na modalidade a distância ou por meio de parcerias com instituições privadas".

"As desiguais chances que estados e municípios terão para fazer essas parcerias não foram discutidas. Nem as desiguais oportunidades que os 'parceiros' presentes em cada estado e município oferecerão aos estudantes para seu desenvolvimento e aprendizado. Tampouco se discutiu se queremos uma escola público-privada. Queremos?"

Maturidade

Mozart Neves, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, acha que a reforma é necessária, pois o modelo anterior estava no “fundo do poço” e cada vez mais distante da realidade do adolescente brasileiro. No entanto, ele também aponta a necessidade de investir na formação dos professores e infraestrutura das escolas.

“Terá de haver um investimento do governo em relação à estrutura da escola e formação do professor. Isso terá de ser feito, caso contrário vamos correr o risco de ter uma lei que não atende as exigências e perspectivas dos jovens”, afirma. Neves reforça que as escolas terão de “desenvolver projetos de vida” para os alunos do último ano do ensino fundamental 2 tenham autoconhecimento e maturidade e escolham os itinerários de formação no ensino médio de forma mais consciente.