Sidrolandia
Justiça restringe publicidade de bebidas alcoólicas no País
A veiculação até às 23h só pode ser feita no intervalo de programas não recomendados para menores de 18 anos
Agência Brasil
18 de Dezembro de 2014 - 10:51
Uma decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) restringiu a publicidade de bebidas com teor alcoólico igual ou superior a 0,5 grau Gay Lussac (GL). Com isso, comerciais de cerveja e vinho, por exemplo, só poderão ser veiculados em emissoras de rádio e televisão entre as 21h e às 6h. A veiculação até às 23h só pode ser feita no intervalo de programas não recomendados para menores de 18 anos.
Até então, a restrição valia para bebidas com teor alcoólico superior a 13º GL, pois apenas essas foram tipificadas como alcoólicas pela Lei Nº 9.294/96, que trata do uso e da propaganda de produtos fumígeros, bebidas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Com isso, comerciais de cervejas e vinhos podiam ir ao ar a qualquer hora do dia, bem como durante jogos esportivos.
Relator do processo, o desembargador federal Luís Alberto dAzevedo Aurvalle explica que, após a Lei 9.294, outras regras foram formuladas sobre o tema. A Lei Seca (Lei 11.705/2008), por exemplo, passou a considerar alcoólicas todas as bebidas que contenham álcool com grau de concentração igual ou superior a 0,5º GL. A mesma definição é usada na Política Nacional sobre o Álcool (Decreto 6.117/2007) e pelo Decreto 6.871/2009, que trata da produção e fiscalização de bebidas.
O
que simplesmente se fez nessa ação foi adaptar a lei anterior à posterior,
explica Luís Alberto. Ele acrescenta que, assim como a restrição de horário, as
demais implicações da decisão já constam na lei de 1996. Entre elas estão a não
associação do produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho
saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou ideias de
maior êxito ou sexualidade das pessoas, conforme estabelece a norma.
A decisão foi tomada após análise de três ações civis públicas ajuizadas pelo
Ministério Público Federal (MPF). Nos textos, o MPF argumenta que a
regulamentação da publicidade tem o objetivo de garantir o direito à saúde e à
vida dos brasileiros, principalmente de crianças e adolescentes. Baseado em
diversos estudos citados na ação originária, que tem quase 100 páginas, o órgão
sustenta que há uma associação entre a publicidade e o consumo de álcool,
sobretudo o uso precoce.
"Verificou-se que existe verdadeira omissão por parte do Estado ao não cumprir disposição constitucional que obriga a regulamentação da publicidade de bebidas alcoólicas, afirma o procurador Paulo Gilberto Cogo Leivas, um dos autores da ação.
Ele explica que, com a norma de 1996, o legislador restringiu apenas a publicidade de altíssimo teor alcoólico, não abrangendo a maior parte das bebidas que são divulgadas e consumidas. Para Leivas, a restrição atenderá ao objetivo constitucional de proteção prioritária às crianças e aos adolescentes.
A decisão foi comemorada por entidades da sociedade civil. O Instituto Alana considera que a medida vai ao encontro do dever do Estado de proteger a saúde da população e a infância, direitos que, para a entidade, não devem ser relegados a segundo plano em relação aos objetivos do mercado.
O
objetivo da política pública, do Estado e da sociedade brasileira é proteger a
saúde da população, o direito dos consumidores e das crianças. E a gente tem o
alcoolismo e o consumo precoce de bebidas alcoólicas de crianças e adolescentes
como um dos principais problemas de saúde pública no Brasil. Primeiro está a
violência, depois o alcoolismo e a obesidade, ressalta Ekaterine
Karageorgiadis, advogada do Alana.
A adaptação do teor alcoólico para regulamentar a publicidade ao que está
previsto em outras leis incomodou o segmento empresarial. Segundo o diretor de
Assuntos Legais da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert),
Cristiano Flores, a norma pode ter impacto gigantesco na indústria da
comunicação.
Ele criticou a decisão, que considera caber ao Legislativo e não ao Judiciário. Quem acabou promovendo essa mudança na legislação foi o Judiciário, o que fere a separação entre os poderes, opina. Para ele, a questão não é se a cerveja é uma bebida alcoólica. A questão é como se dá o tratamento legislativo do tema e qual o nível de restrição você pode estabelecer. A Abert vai recorrer da decisão nos tribunais superiores. Acreditamos que a decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] é completamente distinta, diz Flores.
A Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (Cervbrasil) disse, em nota, que prefere se manifestar somente quando a decisão for oficialmente publicada pela Justiça Federal, sobretudo por evitar falar sobre processos ainda em andamento. O acórdão deve ser publicado nos próximos dias, segundo o tribunal.
A reportagem procurou o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), mas a assessoria informou que ele não se posiciona sobre determinações judiciais. A Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) também foi procurada, mas os diretores da entidade não estavam disponíveis.
A decisão vale para todo o país e dá prazo de 180 dias para a alteração de contratos comerciais de publicidade de bebidas alcoólicas, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, em caso de descumprimento.