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Brasil

Banheiro multigênero: entenda o que diz a lei

Polêmica repercutiu neste mês quando rede de fast food colocou placas nos sanitários em Bauru (SP) e moradora publicou vídeo na web.

G1

24 de Novembro de 2021 - 14:20

Banheiro multigênero: entenda o que diz a lei
Na montagem, as portas do banheiro da lanchonete de Bauru antes da mudança (à esq.), e agora, com indicações específicas para "feminino" e "masculino" — Foto: Arquivo pessoal e @acontecendoembauru

A discussão sobre banheiro multigênero está presente em projetos de lei que tramitam atualmente no Legislativo estadual e federal. Em Bauru, interior de São Paulo, a polêmica veio à tona quando uma unidade de uma rede de fast food colocou placas indicando a destinação para homens, mulheres ou pessoas que não se identificam com esses gêneros.

As imagens viralizaram depois que uma mulher reclamou em um vídeo postado no internet. Em nota, o Mc Donald’s confirmou que desfez a mudança, que foi motivada pela notificação imposta pela Prefeitura de Bauru no dia 13 de novembro apontando “descumprimento de exigências do código sanitário da cidade”.

“A rede reforça que tem o compromisso com a promoção de um ambiente de respeito para que todas as pessoas sintam-se bem-vindas em seus restaurantes. [...] No caso do município de Bauru, após a notificação da prefeitura, a companhia fez adequação em atendimento à solicitação das autoridades locais (nº 3832 de 30/12/1994)”, afirmou a nota.

Essa não é a primeira vez que o Mc Donald’s decide mudar o layout de seus sanitários após polêmica envolvendo o conceito de “multigênero”. Em setembro deste ano, uma unidade de São Roque (SP) fez mudança na placa de um banheiro que indicava a palavra "multigênero" após o caso repercutir na unidade recém-inaugurada.

Naquela ocasião, a assessoria de imprensa do McDonald’s informou que o banheiro continua sendo para todos os gêneros e apenas foi retirado o texto por ser uma unidade recém-inaugurada, que é suscetível a mudanças.

Mas o que diz a lei?

Em Bauru, no caso, há a lei municipal 3832, de dezembro de 1994, que institui o Código Sanitário do município. Segundo o artigo 96, em relação aos estabelecimentos com longa permanência de público, "os sanitários devem ser separados e identificados, para cada sexo."

Já em relação ao estado de SP não há uma lei específica que proíba ou permita banheiros para todos os gêneros. Mas a discussão tem virado assunto frequente na Assembleia Legislativa de São Paulo e também na Câmara Federal.

Na Assembleia Legislativa, por exemplo, o PL do deputado Altair Moraes (Republicanos) de 19 de novembro deste ano proíbe a instalação de banheiros e vestiários que atendam a todos os gêneros nos estabelecimentos de ensino público e privado do Estado de São Paulo. A justificativa do texto é a segurança de crianças e adolescentes e nega discriminação, "de homofobia, ou transfobia".

"Não podemos permitir que esses modismos ideológicos se sobreponham à segurança de todos, principalmente das crianças e adolescentes, que são o grupo mais vulnerável."

Ainda pela Alesp, a propositura do deputado Tenente Nascimento (PP) proíbe a instalação ou a adequação de banheiros públicos em repartições públicas, escolas, parques, secretarias, agências, autarquias, fundações e institutos afins com a finalidade de possibilitar o uso comum por pessoas de gêneros sexuais diferentes em todo o Estado.

"Trata-se de propositura cuja finalidade maior é proteger as pessoas de exposição de sua intimidade, bem como possíveis constrangimentos e eventuais abusos no uso do sanitário em espaços públicos", justificou em um trecho.

O último andamento dos dois PLs foi nesta terça-feira (23), em pauta de 2ª sessão, em tramitação ordinária.

Já a deputada Isa Penna (PSOL) apresentou uma emenda de pauta ao PL do deputado Altair Moraes. A justificativa é a inclusão de pessoas transexuais, transgêneros e não-binárias com as instalações sanitárias neutras em relação à identidade de gênero.

"Sabe-se que o medo de ofensas, constrangimentos, violência física e até de morte faz com que essas pessoas alterem sua rotina para reduzir o risco de transfobia", escreveu em um trecho. Em outro, Isa cita que banheiros para todos os gêneros é realidade em ao menos outros sete países.

O último andamento foi no dia 18 deste mês e recebido do relator, o deputado Thiago Auricchio, pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação, com voto favorável ao projeto e à emenda.

Na Câmara dos Deputados, por autoria do deputado Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF) e apresentação no dia 16, o Projeto de Lei proíbe a "instalação e a adequação de banheiros, vestiários e assemelhados na modalidade unissex, nos espaços públicos, estabelecimentos comerciais e demais ambientes de trabalho."

"É interessante deixarmos claro que uso de banheiros e espaços assemelhados no Brasil, na modalidade unissex não diminuirá os casos de hostilização, humilhação e outros tipos de violência contra a população LGBTQIA+, porque precisamos de fato trabalhar o respeito e a diversidade de forma delicada e sensível, prioritariamente pelos pais e pela família", escreveu na justificativa.

O PL aguarda despacho do Presidente da Câmara dos Deputados.

Plenário da Câmara dos Deputados — Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara dos Deputados — Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

De 23 de outubro de 2020, um projeto do deputado David Miranda (PSOL- RJ) tenta modificar leis de 26 de junho de 2017; 11 de setembro de 1990 e de 13 de abril de 1995.

"Para vedar expressamente discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de gênero em banheiros, vestiários e assemelhados, nos espaços públicos, estabelecimentos comerciais e demais ambientes de trabalho."

O projeto está apensado ao PL 2653/2019, do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), que está em trâmite e prevê punição, pelo Poder Público, manifestações discriminatórias.

Banheiro para travesti?

Sobre o caso na rede de fastfood de Bauru, a defensora pública de São Paulo, Vanessa Alves Vieira, integrante do Núcleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, diz que o restaurante pode até recorrer sobre a notificação da prefeitura. Segundo ela, o código sanitário não necessariamente atende às demandas atuais, já que o conjunto de regras é de 1994.

"A loja acabou se adequando, mas haveria até espaço para contestar essa necessidade, dessa adequação. Porque o código sanitário não pode prevalecer sobre a Constituição, sobre tratados internacionais", comenta.

"Hoje a gente vê nessas questões de gênero, de respeito à diversidade, de respeito à identidade de gênero, enfim, como você mesma disse, é um código de 1994. Hoje nós temos respaldo até em decisões do Supremo Tribunal Federal, que tem enfatizado a necessidade, a importância de se respeitar, a identidade de gênero das pessoas. A gente percebe que tem fundamentos jurídicos para colocar a Constituição e os Direitos Humanos acima de eventuais normas que não respeitem essa identidade de gênero como por exemplo, o código sanitário", diz.

Já sobre o termo, o mais correto é definir como banheiro multigênero, explica Vanessa. "O termo multigênero visa justamente abarcar essa multiplicidade de gêneros, de identidades. Que as pessoas podem ter ao longo da vida, que não necessariamente vão se enquadrar no feminino e no masculino, nesse binarismo. Então o termo multigênero é um termo adequado".

"Poderia ser utilizado outros termos também como banheiro sem gênero, banheiro livre, banheiro de gênero neutro. Então tem várias possibilidades. Eu acho que o que não pode é ter uma identificação de um terceiro banheiro como por exemplo um banheiro de travestis, banheiro para transexuais como se essas pessoas fossem um terceiro gênero", completa.

Segundo Gabriel Van, que é ativista de direitos LGBTIQA+, consultor de políticas públicas e presidente da 'Liga Transmasculina João W Nery', os termos unissex e hermafrodita acabam sendo invisibilizados.

"Então, quando a gente fala de unissex a gente está falando de dois gêneros e existem mais gêneros. Então, multigênero não é suave de ouvir, mas é sobre você ser você, é sobre realmente ter várias formas de expressão, ter várias formas de gênero, ter vários gêneros. É porque o gênero não está só ligado em ser homem ou ser mulher. Nesse sentido, no termo unissex as pessoas trans e não binárias não estariam incluídas nesses espaços. Então, é mais sobre um banheiro que é para vários gêneros, para a pluralidade de gêneros e de corporiedades que também existem", diz.

"A palavra unissex também veio antes das instruções, antes dessa movimentação, do entendimento da identidade de gênero. Então fica complicado dizer que é errado. O unissex é referente a dois gêneros, masculino e feminino, e quando falamos de dois gêneros apenas, a gente limita e não existe só isso", acrescenta.