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ECONOMIA

"Guerra tarifária" de Trump pode beneficiar a Rota Bioceânica

Empecilhos impostos pelo presidente dos EUA ao Canal do Panamá devem trazer os chineses para a América do Sul.

Correio do Estado

19 de Fevereiro de 2025 - 10:30

"Guerra tarifária" de Trump pode beneficiar a Rota Bioceânica
Obras da ponte entre Carmelo Peralta e Porto Murtinho foram iniciadas no ano passado. Foto: Toninho Ruiz/Arquivo

As recentes políticas protecionistas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, têm gerado tensões significativas em relação ao Canal do Panamá e à influência chinesa na região. Para Mato Grosso do Sul e parte da América do Sul, a tensão tarifária pode ser positiva do ponto de vista de funcionamento da Rota Bioceânica.

Trump disse em dezembro do ano passado que os EUA deveriam retomar o controle do canal, afirmando que as taxas cobradas pelo Panamá eram “exorbitantes” e que a infraestrutura estaria “caindo em mãos erradas”, referindo-se à China. O presidente panamenho, José Raúl Mulino, refutou as alegações, reafirmando a soberania do Panamá sobre o canal e negando qualquer controle chinês sobre a operação da hidrovia.

O titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, disse em entrevista ao Correio do Estado que o corredor rodoviário que vai ligar os oceanos Pacífico e Atlântico pode ser beneficiado com a “guerra tarifária”.

“Obviamente, as restrições comerciais impactam o País, ferro, soja, etanol, se ele [Trump] vier a fazer, isso tem um encarecimento. Agora, quando a gente olha para os posicionamentos do Trump com restrições à passagem de produtos chineses pelo Canal do Panamá, isso torna a Rota Bioceânica muito mais visível e mais relevante, porque é exatamente o que nós queremos, quer dizer, queremos concorrer com o Canal do Panamá”, explica o secretário.

Não há evidências públicas de que o governo chinês exerça controle sobre a via marítima ou sobre as Forças Armadas do Panamá. No entanto, a pressão dos EUA levou o Panamá a reconsiderar seus acordos com a China.

No início deste mês, o presidente Mulino anunciou a saída do Panamá do memorando de entendimento da Nova Rota da Seda, um plano de investimento chinês.

“No momento em que o Canal do Panamá apresenta ainda mais restrições, o mundo asiático olha para a Rota Bioceânica de uma forma mais competitiva. Inclusive os chineses, que já construíram um porto no Peru, eles entendem que a Rota pode ser um alimentador de produtos. E nesse primeiro momento, as pessoas sempre perguntam o que vai passar pela Rota, e eu acho que os primeiros produtos que vão sair são proteína animal”, reitera Verruck.

FERROVIA

Conforme informou o Correio do Estado na edição de ontem, já existe um trecho ferroviário que faz o mesmo trajeto que o corredor rodoviário. Porém, a proposta de uma rota bioceânica ferroviária está ainda engatinhando, presa em etapas burocráticas há dois anos.

Estudos divulgados em 2022 apontaram que o custo para implementar esse modal ferroviário a partir de Corumbá até o Chile (Antofagasta e Iquique) ficaria até três vezes menor do que a rota rodoviária – US$ 83 milhões contra cerca de US$ 30 milhões.

No entanto, a operacionalização da Malha Oeste esbarrou nas políticas brasileiras e também respingou no entrave argentino para avançar.

Sobre a opção ferroviária, o titular da Semadesc disse que é uma possibilidade mais distante, já que a Rota Bioceânica está em plena construção, com previsão de ficar pronta nos próximos dois anos.

“Acho que é um projeto mais distante. Prefiro focar na rodoviária. Quer dizer, estamos há quantos anos tentando viabilizar uma ferrovia dentro do País, com carga disponível, com estrutura disponível, e a gente não conseguiu ainda avançar na Malha Oeste, que ela seria fundamental. Então, acho que hoje, pensar nesse momento em uma rota ferroviária, acho que ela está um pouco mais distante”, ressalta Verruck.

A Rota Bioceânica ferroviária recebeu grande incentivo a partir de 2017, com debate iniciado pela Bolívia, no governo de Evo Morales. Em 2021, o tema voltou a ser debatido a partir da assinatura de um acordo de cooperação comercial envolvendo o município de Corumbá, o governo boliviano e as câmaras comerciais de San Salvador de Jujuy, Salta e San Miguél de Tucumán (da Argentina).

O Ministério das Relações Exteriores envolveu-se no debate a partir do ministro de carreira diplomática João Carlos Parkinson. Os interesses econômicos em alta não acompanharam a burocracia e a morosidade para viabilizar a infraestrutura.

ROTA BIOCEÂNICA

Conforme já divulgou o Correio do Estado, as obras da Rota Bioceânica devem ser concluídas entre o fim de 2026 e o início de 2027. A previsão é referente à obra física, que compreende a pavimentação de trechos de rodovias no Paraguai e na Argentina, a construção da ponte sobre o Rio Paraguai e o acesso e a reestruturação da BR-267 até Porto Murtinho.

Para além dessas obras, a Rota só será considerada completamente concluída quando estiver sendo operacionalizada. “Só vai gerar impacto no dia em que a gente sair com um produto daqui de Mato Grosso do Sul e chegar com ele à China a um preço competitivo”, afirmou o secretário.

A operacionalização envolve outros gargalos que vão além das obras físicas, como desafios na transposição das fronteiras, que precisam ser solucionados a fim de tornar a rota competitiva.

O trajeto da Rota Bioceânica será um corredor rodoviário com extensão de 2.396 quilômetros que liga os dois maiores oceanos do planeta, o Atlântico e o Pacífico, pelos portos de Antofagasta e Iquique, no Chile, passando por Paraguai e Argentina.

No Estado, ela garantirá acesso à ponte sobre o Rio Paraguai, na divisa entre Porto Murtinho e Carmelo Peralta, no Paraguai. Quando estiver em plena operação, MS deve se transformar em porta de entrada de produtos asiáticos para o Brasil.