Esporte
Multicampeã africana, pernambucana é estrela do judô em país sem tatame
Derrota em seletiva brasileira para Pequim 2008 faz Taciana Lima descobrir paradeiro do pai na Guiné-Bissau e se naturalizar para ser esperança de pódio do país no Rio
Globo Esporte
03 de Agosto de 2016 - 14:57
A cada golpe que aplica nos tatames, uma judoca pernambucana de 32 anos faz vibrar o povo de Guiné-Bissau e enche de esperança a nação da África Ocidental, que não tem sequer um tatame para a prática do judô e contará com apenas cinco atletas na Olimpíada do Rio os outros são dois da luta olímpica e dois do atletismo.
Defender as cores do humilde país só foi possível depois que Taciana Lima foi derrotada por Sarah Menezes na seletiva brasileira do peso-ligeiro (- 48kg) para os Jogos de Pequim 2008 e ficou arrasada. Para criar um fato novo e evitar a depressão, Taciana, medalhista de bronze no Mundial Júnior de 2002, decidiu descobrir o paradeiro do seu pai biológico.
Ele havia se envolvido com a mãe dela no Recife, na década de 1980, quando ainda era estudante, mas voltou ao país de origem sem saber do nascimento da filha, em dezembro de 1983.
Ao procurar na internet, a atleta descobriu que Óscar Baldé era ministro de Estado da Guiné-Bissau e também tentava lhe encontrar. O contato foi estabelecido, e, quatro anos depois, Taciana parou de defender o Brasil em competições internacionais, naturalizou-se e passou a representar o país de seu pai. De lá para cá, foram quatro títulos africanos consecutivos, medalhas em etapas da Copa do Mundo e a conquista da vaga para sua primeira Olimpíada. Décima do ranking mundial e lutando "em casa", Taciana está confiante na busca pelo pódio olímpico. O desafio começa no sábado, primeiro dos sete dias de judô na Rio 2016, na Arena Carioca 2.
- Não tem nenhum tatame na Guiné-Bissau, não tem uma área de judô para as pessoas treinarem. Então eu quero tentar deixar um legado, e ganhar uma medalha olímpico seria algo muito importante. Eu confio que vou brigar por medalha, porque tenho treinado muito para isso. A categoria está muito forte, mas não tem uma grande favorita para ser campeã - comentou Taciana, após treinamento no Parque dos Atletas, no Rio.
Como não há estrutura para a prática de judô na Guiné, a pernambucana guineense vive e treina há três anos na capital portuguesa, Lisboa, onde é atleta do Sporting. Lá, ela se exercita junto com alguns membros da seleção lusitana. Mas isso não impede Taciana de ser uma celebridade no país da bandeira que ela carrega costurada no peito do quimono.
- As pessoas brincam que eu sou a rainha de Guiné. Eu vou até lá algumas vezes durante o ano e sou reconhecida nas ruas. As pessoas me dão muito carinho, e eu vou em programas de televisão. Eles vibram muito com os meus títulos, principalmente os africanos - conta.
Uma das rivais da pernambucana guineense é a atual campeã olímpica do 48kg, Sarah Menezes, justamente a oponente que a fez buscar novos rumos na vida, após o revés na luta por vaga em Pequim 2008. Caso tenha que encarar a piauiense, Taciana diz que será como uma luta qualquer.
- Desde que deixei de representar o Brasil, eu encaro a Sarah como todas as outras adversárias. Eu tenho uma história de novela e espero que tenham brasileiros torcendo por mim.
Não foi apenas Sarah quem adiou o sonho olímpico de Taciana. Ela tentava uma vaga desde 1999, quando disputou a seletiva para Sydney 2000. Depois, não obteve sucesso no ciclo para Atenas 2004. Já na corrida para Londres 2012, a pernambucana acabou ficando sem chances, por conta de um confuso caso de doping pelo uso do diurético furosemida. Ela lamenta até hoje não ter podido provar sua inocência. O julgamento era constantemente adiado, e a atleta acabou sendo liberada após suspensão preventiva de 15 meses.
- Foram 15 meses para ter um julgamento, e não tive como provar minha inocência. Quando passou esse tempo, eu estava livre e sem ter sido julgada. Mas foi a melhor coisa que aconteceu, se for ver, porque eu acabei conhecendo o meu pai e fiz a troca do Brasil por Guiné-Bissau. Eu sou abençoada, porque agora estou muito mais forte. Quando entrei na Vila Olímpica, eu lembrei de tudo que sofri, que eu fazia seletiva olímpica desde o ciclo para Sydney 2000, e agora, depois de 16 anos, estou em uma Olimpíada.




