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Sidrolandia

Frigoríficos são acusados de mutilar e abandonar trabalhador em MS

Leonardo Wexell Severo, Mundo Sindical

02 de Junho de 2011 - 07:44

A intensidade do ritmo de trabalho nos frigoríficos avícolas, aliada às péssimas condições ergonômicas e às baixas temperaturas das salas de corte têm turbinado as doenças profissionais, e o conseqüente consumo de medicamentos, corroendo os já baixos salários dos seus funcionários. Um estrago na saúde dos trabalhadores e um rombo no orçamento familiar, que divide os ganhos enquanto multiplica o número de farmácias.

Em Sidrolândia, cidade de pouco mais de 40 mil habitantes no interior do Mato Grosso do Sul, a Seara/Marfrig emprega 2.800 trabalhadores, que têm sofrido com lesões, mutilações e depressões, literalmente em carne e osso. Só nesta segunda-feira (30 de maio) foram 30 audiências movidas por trabalhadores contra a empresa no Fórum da cidade. Outras 14 estão marcadas para o dia 17 de junho. A localidade, que abrigava cerca de quatro farmácias há cerca de 15 anos, agora tem 12.

Funcionário da Seara desde 2004, Antônio Martins Santana denuncia que foi “abandonado pela Marfrig”. “Estou com rompimento nos tendões do braço, tendinite e bursite. Como possuo crédito consignado pego uns R$ 450 por mês. O médico me pediu a cirurgia a laser e receitou uma medicação de R$ 200 para o braço, além da de R$ 29 para a coluna, sem contar a fisioterapia que também sai do meu bolso. Fiz o pedido da cirurgia na Unimed da Seara em Campo Grande e eles mandaram para a matriz em Santa Catarina. Não pude fazer a cirurgia, não foi liberada”, denunciou.

“O médico me falou que vou morrer com esse problema. Tenho 39 anos e sempre acordo a noite para colocar pedra de gelo amarrada nos braços para a tendinite e uma bolsa de água quente na coluna e nas costas. A ressonância apurou o rompimento nos tendões dos dois braços e o desgaste da cabeça do osso. Sem a redução da carga horária e do ritmo, o número de mutilados não vai parar de aumentar. É muito puxado, muito penoso, muita gente com sequela”, acrescentou.

A Previdência Social tem dois códigos de doença profissional: o 91, que garante estabilidade, obrigando a empresa a recolher o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ao ser reconhecida como doença ocupacional do trabalho; e o 31, que pode ser qualquer doença, não vinculando a enfermidade à atividade profissional desenvolvida. Para a Seara e os médicos do trabalho que mascaram seu açoite, o caso de Antonio é, como a quase totalidade dos demais, “31”. "Passei no perito em março e ele me deu um atestado até agosto. Enquanto isso, fico com a dor e a insegurança", relata Antônio.

Seu Wilson Roberto, há 20 anos proprietário da Drogaria Cidro, lembra que “todo dia tem receituário para dor, anti-inflamatório e analgésico para o pessoal da Seara, tendo aumentado muito a venda de anti-depressivos”. “Acho que a Seara devia tentar adaptar os trabalhadores lesionados para que não chegassem a um ponto onde não há mais possibilidade de retorno a uma vida normal”, disse.

Farmacêutico responsável pelo Posto de Saúde de Sidrolândia, Rodrigo Novais, lembra que os trabalhadores da Seara procuram o local “toda hora”, e que 95% das reclamações dizem respeito a problemas nas articulações, nas mãos, no ombro e na coluna, adquiridos na desossa do frango. Os mais prejudicados, conta, precisam de injeções para acalmar a dor: “são 3 ou 4 injeções por dia”. Com tanta procura, obviamente faltam medicamentos.

Afastamentos

As estatísticas do próprio INSS sobre os afastamentos do trabalho motivados por determinadas doenças profissionais, conforme a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2012), aponta que o setor registra um número elevado de dorsopatias (que afetam os ombros), com índice de prevalência (que ocorre com mais destaque) de 226%, contra 500% dos transtornos dos tecidos moles (doenças osteomusculares, com dores no braço e no antebraço). “Estes trabalhadores precisam realizar muitas flexões e movimentos de punho, o que acaba inflamando o nervo mediano, responsável pela sensibilidade e motricidade do polegar e de alguns dedos e músculos da mão, o que causa a síndrome do túnel do carpo”, explica Sérgio Roberto de Lucca, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Os movimentos repetitivos sem o tempo necessário para a recuperação são responsáveis pela inflamação e edema do túnel do carpo. Está comprovado que mais de oito ou nove repetições por minuto impedem o punho de ter tempo suficiente para produzir o fluido lubrificante da articulação. No caso da indústria avícola são, sempre, dezenas de movimentos repetitivos por minuto. O atrito que ocorre na ausência de lubrificação ocasiona edema e lesões.

Nervos e Humor

Conforme o procurador do Trabalho, Sandro Eduardo Sardá, de Florianópolis, Santa Catarina, a depressão é outro mal à espreita, já que “o índice de prevalência de transtornos de mau humor entre os trabalhadores da indústria avícola é quatro vezes superior ao normal, enquanto o transtorno dos nervos chega a ser oito vezes maior”.

“Isso se traduz em muita ansiedade e depressão”, acrescenta Lucca, lembrando que o ritmo acelerado de trabalho sem pausas tem provocado uma “epidemia nos grandes frigoríficos”.

Sandro Sardá relata que a cadência elevada e imposta pelas máquinas, a impossibilidade do trabalhador determinar o ritmo e o modo de execução, a pressão por metas, as posturas inadequadas dos membros superiores, tronco e cabeça, o trabalho estático dos membros superiores e inferiores, somada à exigência de força no manuseio de produtos a baixa temperatura expõe o trabalhador a um alto risco.

Além disso, frisa o procurador, o trabalho é feito preponderantemente em pé, com espaços exíguos que impedem a livre movimentação, exposição contínua a níveis de ruído acima de 80 decibéis e ainda a exposição à umidade e riscos biológicos (carne, glândulas, vísceras, sangue, ossos). “Isso explica porque há uma verdadeira legião de lesionados, sobretudo jovens”, aponta.

A inadequação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores (Norma Regulamentadora 17) é visível, diz o procurador. Os números a seguir são relativos a uma jornada de 8h48, existente em frigoríficos avícolas de Santa Catarina. Para cortar e abrir as coxas/sobrecoxas da carcaça cada trabalhador encara 17 frangos por minuto, com quatro movimentos por frango (3 cortes), num total de 60 movimentos por minuto; 4.080 mov/hora e 35.000 mov/dia. Para retirar a coxa/sobrecoxa da nórea (a correia que transporta as aves penduradas na linha de produção) com ambas as mãos: 25 peças por minuto, 3 movimentos por peça, total de 75 movimentos por minuto, 4.500 hora; 40.000 dia; Desossa de coxa e sobrecoxa, com ambas as mãos: 4 peças por minuto, com 11 cortes por peça, mais 9 movimentos, total de 80 movimentos por minuto; 4.800 hora e 42.000 dia; Retirar cartilagem de peito na carcaça, na nórea, utilizando ambas as mãos: 26 peças por minuto, 3 movimentos por peça, total de 78 movimentos por minuto, 4.600 hora e 45 mil dia; Separar coxa da sobrecoxa desossada, com ambas as mãos: 30 peças por minuto, com 4 movimentos por peça, total de 120 movimentos por minuto, 7.200 hora, 63 mil dia.

Estudo de Sardá sobre o ambiente de trabalho nos frigoríficos aponta que “entre 2005 a 2009 nenhuma atividade econômica gerou tanto adoecimento nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais”.

Drogarias

Proprietário da Drogaria Fabrício, em Sidrolândia, Laurindo dos Santos aponta que os anti-inflamatórios são os campeões de venda, já que o grosso dos problemas de saúde dos trabalhadores da Seara está vinculado a dor por inflamação muscular.

Na visita a uma farmácia da cidade encontramos Sônia Aparecida de Freitas, 32 anos, há 12 trabalhando na Seara. Ela sofre com tendinite nos dois ombros adquirida na sala de cortes. “Sou balanceira, peso os frangos de dois quilos e coloco nos pacotinhos. Temos também os pacotes de sete quilos e meio. Precisamos encher a bacia e por na balança. Outra pessoa abre o saco e eu coloco as aves dentro. Faz uns cinco anos que a dor vem forte, começa a arder os ombros e a coluna. Então tomo remédio. Às vezes melhora, mas já no outro dia continuamos trabalhando na mesma função e temos de cumprir a meta. Não tem jeito”, desabafa Sônia. “Pagamos 30% do plano médico da Unimed, mas as dez sessões de fisioterapia vão sair do meu bolso”.

Ao lado de Sônia, o marido Ronaldo de Lima conta o dinheiro para a compra dos medicamentos. “Vamos levar”, diz ao farmacêutico. Ela elogia o companheiro: “não tenho mais força nos braços. É ele quem lava e passa a roupa lá em casa”. (Especial para a CUT)