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Suicídio: por que nossas ações ainda não são suficientes
Quando o sistema falha, famílias ficam entre o medo e a esperança.
Por Aletânia Ramires Gomes
25 de Novembro de 2025 - 15:30

Nos últimos meses, Sidrolândia tem vivido um silêncio doloroso: o silêncio deixado pelas vidas perdidas para o suicídio. São rostos conhecidos, jovens e adultos que iluminavam ambientes e que, de repente, partiram deixando perguntas que ninguém consegue calar. A cada nova notícia, a mesma angústia ecoa entre as famílias: o que está acontecendo? Por que tantas pessoas estão morrendo?
Apesar das campanhas e das palestras que se repetem todos os anos, a verdade é que a prevenção ao suicídio não tem sido efetiva. Recentemente recebi uma mensagem de uma avó que traduz o sofrimento de muitas famílias. Sua neta tentou suicídio. A família buscou tudo o que podia, atendimento particular, CAPS, profissionais diferentes. Em pouco tempo, disseram que ela estava “bem”. Mas ela não estava. Vieram novas crises, mais dor, mais medo.
E então essa avó me perguntou: “O que está faltando? Profissionais capacitados? Humanização? O que precisamos fazer para parar de perder tanta gente?”
A pergunta dela é coletiva. E a resposta é dura, mas urgente, não falta campanha; falta efetividade, palestras isoladas não salvam vidas, cartazes não salvam vidas.
O que salva é vínculo, acompanhamento contínuo, ciência e acesso real ao tratamento adequado.
Nas últimas décadas, a neurociência avançou muito, mais do que em qualquer outro período da história. Hoje entendemos muito melhor a relação entre depressão, ansiedade, impulsividade suicida e processos inflamatórios e neurobiológicos que ocorrem no cérebro. Sabemos que o cérebro, quando adoecido, altera a forma como a pessoa percebe a dor, a esperança, a própria vida. Ainda assim, grande parte dos atendimentos em saúde mental segue modelos dos anos 90, rápidos, superficiais e incapazes de sustentar o cuidado que alguém em risco precisa.
O suicídio não é apenas falta de vontade de viver.
Não se resolve apenas com “alguém para ouvir”.
Isso ajuda, mas não é suficiente.
O que falta é tratamento certo, no tempo certo.
Faltam profissionais atualizados, capazes de avaliar o risco com profundidade e acompanhar casos com continuidade; faltam equipes que compreendam que risco não se mede em uma conversa de cinco minutos, falta coragem institucional para admitir que o modelo atual não dá conta da complexidade do suicídio e falta acesso: muitos dos tratamentos modernos, os que realmente fazem diferença, ainda são caros e distantes da maior parte da população. Enquanto isso, milhares de famílias recebem um cuidado básico que não acompanha a gravidade dos casos. Pessoas recebem alta cedo demais porque “naquele dia” não verbalizaram intenção, mas a dor não obedece ao calendário.
Não escrevo este texto para espalhar pessimismo, mas para fazer um chamado.
A prevenção ao suicídio exige ciência, continuidade, responsabilidade e humanidade. Exige investimento. Exige formação. Exige coragem para fazer diferente.
Não podemos normalizar perder pessoas, não podemos aceitar que famílias vivam entre o medo e a esperança, não podemos permitir que a prevenção se resuma a slogans e campanhas pontuais, porque cada vida é única, irrepetível e profundamente valiosa.
*Psicóloga Aletânia Ramires Gomes Psicóloga CRP 14/05028-1 (UCDB), Especialista em Gênero e Políticas Públicas (UFMS); Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental –TCC (ITCC/MS); Especializada em Neurociências e Comportamento (PUC/RS), atua como Psicóloga Clínica no Espaço Cuidar tel (67) 99297-2798

