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Reflexões à margem do tempo... Dom Redovino Rizzardo

Dom Redovino Rizzardo

31 de Dezembro de 2010 - 09:54

Talvez não sejam muitos os estudantes atuais de filosofia que lembrem quem foi Heráclito de Éfeso. Sua existência abrange o período que vai do ano 540 a 470 antes de Cristo. Seu nome é lembrado por uma sentença que o imortalizou: “Panta rei”, ou seja, traduzida do grego, “tudo corre, tudo flui, tudo passa”. Para ele, o homem e a natureza estão em constante movimento e mudança. Explicava seu pensamento com esta comparação: «Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio», já que nem o rio nem quem nele se banha são os mesmos em dois momentos diferentes da trajetória da vida e do tempo.

Lembrei-me de Heráclito quando percebi que estamos às portas de mais um final e início de ano. Na verdade, o tempo corre veloz. São inúmeras as pessoas que, na tentativa de segurá-lo e pará-lo, se agarram a tábuas de salvação que não passam de miragens. Julgam que serão salvas e imortalizadas pelas coisas que possuem ou pelas obras que realizam. Era o que pensava o poeta romano Horácio, que se consolava diante da morte repetindo para si e para quem o cercava: «Não morrerei de todo, pois, com minhas poesias, construí um monumento mais duradouro que o bronze».

Significativas, para não dizer desesperadoras, são também as palavras de Cazuza, um dos ícones da música brasileira na década de 1980, ante a fugacidade – e, a seu parecer, a inutilidade – da vida: «Minha metralhadora está cheia de mágoas. Eu sou um cara cansado de correr na direção contrária. A tua piscina está cheia de ratos. Tuas ideias não correspondem aos fatos. O tempo não para. Eu vejo o futuro repetir o passado. O tempo não para. Não para, não, não para».

Se todos têm o direito de se pronunciar sobre uma questão tão importante, a Bíblia não podia permanecer indiferente e alheia. Dentre as inúmeras passagens em que trata do tema, cito apenas duas. A primeira é do salmo 90: «Senhor, para vós, mil anos são como o dia de ontem que passou, uma vigília dentro da noite. Eles passam como o sono da manhã, são iguais à erva verde que cresce nos campos: de manhã ela floresce vicejante, mas, à tarde, é cortada e logo seca. A nossa vida pode durar setenta anos; os mais fortes talvez cheguem a oitenta. A maior parte deles, porém, é ilusão e sofrimento; passam depressa e nós desaparecemos com eles. Ensinai-nos, Senhor, a bem contar os nossos dias para que tenhamos a sabedoria do coração!» (Sl 90,4-6.10.12).

A segunda passagem é tirada do livro de Coélet, também conhecido como Eclesiastes: «Ilusão das ilusões, tudo é ilusão! Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Uma geração vai, uma geração chega, e a terra permanece sempre a mesma. O sol se levanta e o sol se põe, voltando depressa para o lugar de onde novamente se levantará. A juventude e os cabelos negros são fugazes. Lembra-te do teu Criador nos dias de tua mocidade, antes que venham os dias tristes e cheguem os anos em que dirás: “Não sinto mais prazer em nada!”, e antes que se escureçam o sol e a luz, a lua e as estrelas!» (Ecl 1,2-5.12,1-2).

À primeira vista, tudo isso poderia gerar um pessimismo intragável se não recebêssemos de Deus a sabedoria do coração, como pede o salmo 90 – graça que é concedida a todos os que se deixam guiar pelo amor. É o que atesta o maravilhoso segredo descoberto por Santa Teresa de Ávila: «Nada te perturbe, nada te espante! Tudo passa: só Deus não passa. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta».

Para São João, o apóstolo que mais entendeu o coração de Jesus, só não passa o que é feito de acordo com a vontade e o projeto de Deus: «Não amemos o mundo nem o que há nele. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo – os instintos carnais, os olhos insaciáveis e a arrogância do dinheiro – são coisas que não vêm do Pai, mas do mundo. E o mundo passa com seus apetites insaciáveis.Mas quem faz a vontade de Deus, permanece para sempre» (1Jo 2,15-17).

Lógica, portanto, a conclusão a que chega Chiara Lubich: «“Como o tempo passa depressa”, dizemos perplexos, verificando a velocidade dos dias. “Como o tempo permanece”, deveria dizer a minha alma se conseguisse que cada hora e cada instante fossem gastos em cumprir a vontade de Deus».