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Brasil

Posso ser demitido por WhatsApp? E pedir meu desligamento?

G1

21 de Julho de 2021 - 14:42

Posso ser demitido por WhatsApp? E pedir meu desligamento?
Foto: Divulgação

Maria* estava assistindo uma aula online à noite no último dia 21 de março, fora do horário do expediente, quando recebeu uma mensagem de Whatsapp do gerente da empresa de alimentação onde trabalhava. Depois de 2 anos e 3 meses de trabalho, a mensagem dizia que ela estava sendo demitida.

Segundo ela, o patrão não quis esperar a aula terminar e comunicou por escrito que a loja iria fazer cortes e que ela estava entre os demitidos. Nem o fato de ter dito que havia sido uma escolha difícil amenizou o mal-estar que Maria sentiu naquele momento.

“Não esperava uma demissão dessa forma. Achei muita falta de consideração”, comenta.

A conversa foi encerrada com o aviso de que ela teria de comparecer à empresa no dia seguinte para fazer o desligamento. A atendente respondeu apenas “OK, sem problemas”. Maria conta que era registrada e recebia como atendente, mas fazia também serviços de RH, departamento pessoal, caixa e limpeza.

“Me dediquei um tempão fazendo coisas que não eram da minha área sem receber por isso para ser demitida pelo WhatsApp. Se ele ao menos tivesse esperado a aula acabar para me ligar teria sido menos pior”, diz.

No dia seguinte, a atendente foi recebida pelo gerente para assinar o termo de rescisão. “Não falei nada, aceitei, não ia adiantar, um dia o mesmo pode acontecer com ele”. Após o baque da demissão, Maria decidiu montar uma loja virtual infantil para ter uma renda.

A prática, apesar de parecer impessoal, é permitida e tem sido aceita pela Justiça do Trabalho. Várias decisões têm sido favoráveis aos empregadores, após funcionários questionarem a forma de desligamento. Os juízes têm alegado que o aplicativo é uma ferramenta de comunicação como qualquer outra, que acabou se popularizando principalmente com a pandemia. No entanto, é preciso tomar cuidado com os termos usados na comunicação da demissão, pois, dependendo do que se escreve, pode gerar ações por dano moral, segundo especialistas.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) validou uma decisão do Tribunal Regional da 15ª Região (Campinas), que concedeu danos morais no valor de R$ 5 mil a uma doméstica que questionou a forma como foi demitida. A mensagem dizia: "Bom dia, você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar documentos". Para a Justiça, a mensagem ignorou regras de cortesia e consideração referentes a uma relação de trabalho.

Já o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) avaliou que a demissão pelo WhatsApp era válida, após questionamento de uma educadora de uma escola infantil.

“Não é demitir que não pode, é a forma como se faz isso. Ao contrário de uma conversa pessoal, falar pelo WhatsApp é muito mais delicado, então é preciso tomar cuidado para não deixar o funcionário constrangido nem tratá-lo de maneira vexatória”, afirma Roberto Recinella, especialista em gestão do capital humano e neurocomportamento.

Segundo Recinella, é recomendado que a empresa trate os colaboradores com cordialidade e respeito no WhatsApp, mais do que se estivesse conversando pessoalmente. “Demissão é um momento de muita fragilidade emocional, pode deixar o empregado traumatizado, então, quanto mais respeito e carinho com o colaborador, melhor”.

O especialista aponta que a demissão pelo WhatsApp tira o fator emocional do empregador, mas isso não significa que a mensagem deva ser fria. “Ele escreve por exemplo: ‘você está demitido, a partir de amanhã devolva o crachá na portaria da empresa e depois você receberá novos detalhes’. Isso é frio, calculista. Então você tem que preparar a pessoa, ligar para ela, conversar, explicar o motivo, às vezes é uma demissão em massa que está acontecendo, às vezes é uma demissão pontual, então é preciso tratar com muito respeito”, ressalta.

Veja abaixo o tira-dúvidas com os advogados trabalhistas Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, e Lariane Del Vecchio, sócia da BDB ABdvogados, sobre os procedimentos da demissão pelo WhatsApp.

As empresas podem demitir pelo WhatsApp? De que forma é recomendado que isso seja feito?

  • Ruslan Stuchi: As empresas podem demitir por Whatsapp, tendo em vista que o aplicativo de mensagem se tornou uma ferramenta de comunicação como qualquer outra, sendo assim, qualquer demissão realizada por vídeochamada, áudio ou texto pelo aplicativo é valida.
  • Lariane Del Vecchio: O WhatsApp é um aplicativo que comunicação, que ganhou maior protagonismo na pandemia. Como qualquer outro meio de comunicação, ele é válido. O importante é ter a confirmação de que a mensagem foi recebida pelo funcionário para que a demissão seja válida.

O que pode gerar ação na Justiça quando a demissão é feita dessa forma?

  • Ruslan Stuchi: Caso não haja o cuidado ao realizar a demissão do funcionário pelo WhatsApp, pode acabar ofendendo o trabalhador, gerando um desrespeito à dignidade humana, o que dá direito a indenização por dano moral.
  • Lariane Del Vecchio: Desde que o empregador não extrapole seu direito de demitir o funcionário e haja comprovação da ciência de recebimento da mensagem, não há o que gerar ação na Justiça. Vale ressaltar que as verbas devem ser pagas normalmente. Se não forem pagas, o funcionário pode acionar o empregador na Justiça.

Como deve ser essa demissão para evitar constrangimento e consequente ação na Justiça?

  • Lariane Del Vecchio: Não existe constrangimento na demissão via WhatsApp, desde que a mensagem seja clara e objetiva. O que pode caracterizar dano moral é o empregador extrapolar seu direito de demitir o funcionário e utilizar xingamentos ou termos que humilhem.
  • Ruslan Stuchi: Não pode haver um constrangimento. Se o funcionário alegar dano moral, será avaliado caso a caso.

Como ficam os procedimentos de desligamento e homologação?

  • Ruslan Stuchi: Deve ser analisado caso a caso, porém, se o trabalhador demitido não tiver nenhum impedimento, recomenda-se que vá até a empresa realizar os procedimentos.
  • Lariane Del Vecchio: O empregador deve obedecer à legislação trabalhista, fazendo o pagamento das verbas dentro de 10 dias (esse pagamento pode ser feito por transferência bancária). A demissão poderá ser feita de forma eletrônica. O funcionário recebe a documentação, assina e devolve digitalizada. Não há necessidade de ir até a empresa - as próprias guias podem ser também enviadas de forma virtual.

No comunicado pelo WhatsApp, a empresa pode já estipular como será o aviso prévio?

  • Lariane Del Vecchio: Na própria mensagem a empresa já estipula como será o aviso prévio do empregado, se deve ou não ser cumprido, ou seja, se será trabalhado ou indenizado.

O que a empresa deve fazer se o empregado não responder à mensagem de demissão pelo WhatsApp?

  • Lariane Del Vecchio: Se não tiver prova de que o funcionário está ciente, a demissão não vale. O ideal seria usar outras ferramentas de comunicação para que tenha a confirmação, como carta registrada com aviso de recebimento.

O empregado pode pedir demissão pelo WhatsApp?

  • Ruslan Stuchi: Sim, o empregado pode informar o pedido de demissão pelo WhatsApp, de maneira clara, para que não haja nenhum mal-entendido.
  • Lariane Del Vecchio: Pode, mas é preciso se cientificar de que o patrão recebeu a mensagem e entrar em um acordo sobre o aviso prévio e o recebimento das verbas trabalhistas devidas.