Policial
Espaço aéreo de MS vira campo de batalha contra o crime organizado
Mato Grosso do Sul se consolida como principal rota aérea do tráfico na fronteira, com o uso crescente de aviões e drones em operações de alto valor e logística sofisticada.
Correio do Estado
13 de Outubro de 2025 - 10:45

O céu sobre Mato Grosso do Sul, porta de entrada do Paraguai e da Bolívia, tornou-se o mais novo campo de batalha da Polícia Federal (PF) contra o crime organizado. Uma análise detalhada de dados de apreensões obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), pela Fiquem Sabendo, organização sem fins lucrativos especializada em transparência publica, revela um panorama de alta tecnologia e logística complexa, em que aviões e, mais recentemente, drones, são peças-chave nas engrenagens do tráfico de drogas e outros crimes.
As apreensões em MS atingiram um pico notável em 2020, com 10 aeronaves confiscadas, o que representa quase um terço do total no Estado, no período de 2009 a julho deste ano. Essa alta, no entanto, não é um evento isolado, mas, sim, um indicativo da crescente profissionalização das redes criminosas que utilizam o modal aéreo.
O corredor aéreo do tráfico
Dos 32 registros de aeronaves apreendidas em Mato Grosso do Sul, a esmagadora maioria – 22 apreensões – está diretamente relacionada ao tráfico de drogas. Em 2 de agosto de 2020, por exemplo, a parceria entre a PF e a Força Aérea Brasileira (FAB) na Operação Ostium resultou na apreensão de um avião bimotor perto de Dourados, que transportava 517 kg de cocaína. O piloto, que se recusou a pousar e recebeu tiros de advertência, foi preso em flagrante.
Esse tipo de cooperação foi repetida em 21 de agosto de 2020, quando um avião apreendido em Campo Grande foi ligado à Operação Além Mar, uma investigação contra uma organização criminosa que, segundo a PF, era responsável por movimentar até 5 toneladas de cocaína por mês da fronteira com o Paraguai para o Brasil e Europa.
A ascensão dos drones e a logística de pequena escala
Enquanto grandes operações miram aeronaves milionárias, uma nova e furtiva ameaça emergiu nos últimos anos. Os dados de apreensões mostram um aumento expressivo no número de drones confiscados em Mato Grosso do Sul.
De acordo com a planilha da PF, não havia registros de apreensão de drones no Estado antes de 2024. No entanto, entre 2024 e julho deste ano, os drones representaram a maioria das apreensões, com sete de nove registros.
A planilha registra a apreensão de um drone em 1º de julho deste ano, no contexto de crimes financeiros, com um preso em flagrante. Um comunicado da PF sobre uma operação deflagrada em 1º de julho deste ano em MS descreve o cumprimento de mandados de busca e apreensão e a prisão em flagrante de uma pessoa por obstrução de justiça, contudo, sem menção à apreensão de qualquer veículo aéreo.
O uso desses pequenos equipamentos reflete uma adaptação tática do crime, buscando o baixo custo, a agilidade e o difícil rastreamento. As apreensões de drones em MS se conectam a crimes fazendários e financeiros, mas também ao tráfico de drogas.
Em setembro de 2024, a Polícia Penal de MS interceptou um drone que tentava transportar mais de 2 kg de maconha para o presídio de segurança máxima de Campo Grande.
Essas apreensões em pequena escala indicam que os drones são usados para a logística de última milha, etapa final da cadeia de distribuição, burlando barreiras e entregando entorpecentes ou outros ilícitos diretamente ao consumidor ou para dentro de áreas de segurança.
A planilha de apreensões registra a apreensão de diversos veículos aéreos em agosto de 2020, todos ligados ao tráfico de drogas. Notícias e comunicados da Polícia Federal detalham que, nesta data, a PF, com o apoio da FAB, apreendeu mais de uma tonelada de cocaína e prendeu três homens em duas ações distintas.
Uma das aeronaves, um avião bimotor, foi interceptada em Três Lagoas e forçada a aterrissar perto de Dourados, após receber tiros de advertência, na qual os policiais encontraram 517 kg de cocaína.
A colaboração entre PF e FAB foi utilizada novamente em 21 de agosto de 2020. Dados da planilha apontam a apreensão de um avião em MS e outro em SP, ambos no contexto de tráfico de drogas. Essa ação foi um desdobramento da Operação Além Mar, que visava desmantelar um esquema de tráfico internacional e lavagem de dinheiro.
O avião apreendido em Campo Grande e o outro em Campinas (SP) faziam parte de um grupo criminoso que, segundo a PF, era responsável por transportar até cinco toneladas de cocaína por mês da fronteira do Paraguai para o Brasil e a Europa.
A escala do investimento criminoso em aeronaves de alto valor também é evidenciada pela apreensão de 2 de maio de 2023, em Amambai. A apreensão de um avião Beechcraft King Air 200, com um valor estimado de R$ 22,8 milhões, estava ligada à prisão de Caio Bernasconi Braga, conhecido como Fantasma da Fronteira.
A documentação judicial posterior revelou que a aeronave pertencia a uma empresa de São Paulo e havia determinado a devolução, após o uso ter sido liberado ao governo de MS.
O processo ainda tramita no Tribunal Regional da 3ª Região (TRF3). Esses casos de alto perfil demonstram o quão entranhada a logística aérea está na estrutura financeira e operacional do tráfico de drogas.
A distribuição geográfica das apreensões não é aleatória. Ela mapeia os corredores aéreos utilizados pelo crime organizado. Mato Grosso do Sul e Paraná, por causa de suas posições de fronteira com o Paraguai e a Bolívia, atuam como portões de entrada para o tráfico.
Já Mato Grosso e Goiás funcionam como rotas de escoamento para os centros urbanos, enquanto São Paulo se estabelece como um centro logístico e de lavagem de dinheiro, onde aeronaves de alto valor são apreendidas em ações relacionadas a crimes fazendários e financeiros.
O gargalo da burocracia
Uma vez apreendidas, o destino das aeronaves enfrenta um obstáculo burocrático. A maioria dos 32 registros de apreensões em Mato Grosso do Sul ainda está sob a designação de “sem pedido de destinação”. Esse status, que pode se prolongar por meses ou anos, indica que o destino desses bens ainda não foi decidido pela Justiça.
Essa morosidade não é apenas uma formalidade. O Estado é obrigado a arcar com os custos de custódia e manutenção dos bens, que não podem ser convertidos em receita pública por meio de leilões.
A guerra contra o crime organizado em Mato Grosso do Sul se combate no ar, na fronteira e nos tribunais. E, enquanto a PF e as forças de segurança se adaptam aos novos desafios tecnológicos, a burocracia e as complexas redes de lavagem de dinheiro continuam a ser um desafio tão grande quanto interceptar uma aeronave carregada de drogas.




