Política
STF formaliza condenação de Bolsonaro e defesa tem 5 dias para recursos
Moraes reabre investigações sobre interferência na PF e papel de Valdemar na trama golpista.
Semana ON
22 de Outubro de 2025 - 13:30

A publicação do acórdão que formaliza a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete envolvidos na tentativa de golpe de Estado marca uma virada decisiva no processo judicial que se tornou um divisor de águas na história democrática do país. Com penas severas — a maior delas, 27 anos e 3 meses para Bolsonaro — o Supremo Tribunal Federal inaugura a fase recursal em meio à reabertura de investigações sensíveis, como a suposta interferência na Polícia Federal e o papel do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na engrenagem de desinformação eleitoral. Ao consolidar o entendimento da Primeira Turma, o acórdão não apenas delimita os prazos legais para a contestação das penas, como também evidencia o avanço de um processo que expõe a extensão e sofisticação da tentativa de ruptura institucional orquestrada em múltiplos núcleos — do planejamento militar à disseminação estratégica de notícias falsas. Mais do que um rito jurídico, o momento reflete a tensão entre a responsabilização penal de lideranças políticas e a integridade das instituições democráticas, sob o crivo da Corte que busca reafirmar os limites do Estado de Direito frente à escalada autoritária vivida nos últimos anos.
A publicação do acórdão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado abriu oficialmente o prazo para as defesas apresentarem seus recursos. O documento reúne os votos de todos os ministros e formaliza o resultado do julgamento ocorrido em 11 de setembro, quando Bolsonaro recebeu pena de 27 anos e 3 meses de prisão, a mais alta entre os condenados.
Agora, as defesas têm cinco dias úteis, a contar desta quinta-feira (23), para apresentar embargos de declaração, e 15 dias úteis para tentar embargos infringentes, embora estes últimos tenham poucas chances de prosperar.
O que é o acórdão e por que ele é decisivo
O acórdão é o documento que consolida o entendimento do colegiado – no caso, os cinco ministros da Primeira Turma do STF – e detalha seus votos. Somente após sua publicação os prazos recursais começam a contar. O relator do caso é o ministro Alexandre de Moraes, e o presidente da turma é Flávio Dino, a quem cabe definir a data dos próximos julgamentos.
A publicação do acórdão marca, portanto, o início da fase recursal dentro da própria Corte, antes que as penas possam ser efetivamente executadas. Caso todos os recursos sejam rejeitados, Moraes poderá determinar o início do cumprimento da pena, inclusive em regime fechado.
Quais recursos cabem no STF
Embargos de Declaração
Esse é o recurso mais comum e imediato. Serve para esclarecer contradições, omissões ou obscuridades no julgamento – ou seja, quando algum ponto do voto ou da decisão não ficou claro.
– Prazo: 5 dias úteis após a publicação do acórdão (neste caso, a contagem começa nesta quinta-feira, 23).
– Onde é julgado: pela própria Primeira Turma, até cinco dias úteis após a apresentação dos embargos.
– Efeito: normalmente não altera o resultado da condenação.
– Exceção: em casos raros, o STF pode conceder efeito modificativo, alterando penas ou reconhecendo situações como prescrição.
Na prática, os embargos de declaração têm função mais técnica e são muitas vezes usados para ganhar tempo; embora o uso reiterado e sem fundamento possa ser considerado protelatório, sujeito a multa por litigância de má-fé.
Embargos Infringentes
São recursos que buscam reabrir a discussão do mérito da condenação, mas só podem ser apresentados se houver pelo menos dois votos pela absolvição, o que não ocorreu no julgamento do núcleo principal da trama golpista.
O placar foi de 4 a 1, com Luiz Fux sendo o único a votar pela absolvição parcial de Bolsonaro. Assim, não há base jurídica suficiente para os embargos infringentes, segundo entendimento consolidado do próprio STF.
Esse tipo de recurso ganhou notoriedade no julgamento do Mensalão, em 2013, quando o plenário admitiu os embargos e reverteu parte das condenações. Mas desde então, o tribunal tem restringido o uso desse mecanismo, especialmente em casos julgados por turmas, que contam com apenas cinco ministros.
– Prazo: 15 dias úteis após a publicação do acórdão.
– Admissibilidade: depende de decisão do relator.
– Condição: exige ao menos dois votos absolvendo o réu, o que não ocorreu no caso.
No caso da trama golpista, se Moraes rejeitar o pedido, as defesas ainda podem apresentar agravo para que a turma analise a admissibilidade de forma colegiada.
Outros possíveis caminhos
Embora mais difíceis, as defesas ainda podem tentar recursos constitucionais paralelos, como habeas corpus ou mandado de segurança, alegando violações processuais. No entanto, o STF tem sido restritivo em relação a essas medidas, especialmente quando utilizadas para rediscutir o mérito das condenações.
O que acontece a partir de agora
Com os recursos protocolados, o ministro Alexandre de Moraes deverá preparar o processo para julgamento. O presidente da Primeira Turma, ministro Flávio Dino, decidirá se a análise ocorrerá em sessão presencial ou plenário virtual.
Caso os embargos de declaração sejam rejeitados, Moraes pode determinar o início da execução da pena, inclusive em regime fechado.
Embora o processo ainda possa se estender por alguns meses, ministros da Corte preveem que o trânsito em julgado ocorra em 2025, encerrando definitivamente o julgamento do primeiro ex-presidente da República condenado por tentativa de golpe de Estado.
Penas aplicadas
Jair Bolsonaro: 27 anos e 3 meses de prisão.
Walter Braga Netto: 26 anos.
Almir Garnier: 24 anos.
Anderson Torres: 24 anos.
Augusto Heleno: 18 anos e 8 meses.
Paulo Sérgio Nogueira: 19 anos.
Alexandre Ramagem: 16 anos.
Mauro Cid: até 2 anos (regime aberto, por delação premiada).
Moraes reabre inquérito sobre interferência de Bolsonaro na PF
O ministro Alexandre de Moraes determinou a reabertura das investigações no inquérito que apura suposta interferência política de Jair Bolsonaro na Polícia Federal (PF) durante seu mandato na Presidênca da República. A decisão atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que reviu sua posição e pediu novas diligências para aprofundar a apuração.
O Inquérito 4.831 havia sido arquivado a pedido da própria PGR em 2022, sob o argumento de que não havia indícios de crime. Três anos depois, porém, o órgão apontou “necessidade de diligências complementares” diante de indícios de que Bolsonaro buscou obter informações privilegiadas de investigações sigilosas e influenciar apurações que envolviam ele próprio, familiares e aliados políticos.
A nova manifestação da PGR, datada de 15 de outubro de 2025, cita declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, dadas em abril de 2020, quando deixou o governo denunciando tentativas de ingerência na PF. Segundo o órgão, diálogos via WhatsApp entre Bolsonaro e Moro indicam que o então presidente decidira trocar o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, com o objetivo de controlar investigações sensíveis. Uma das mensagens enviadas por Bolsonaro a Moro dizia: “Moro, o Valeixo sai essa semana. Isto está decidido. Você pode dizer apenas a forma”, seguida de outra em que enviou uma reportagem com o título “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas” e o comentário “Mais um motivo para a troca”.
Com base nesses elementos, a PGR quer esclarecer se houve uso indevido da estrutura do Estado para obtenção de informações sigilosas e obstrução de investigações. O inquérito apura possíveis crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da Justiça e corrupção passiva privilegiada por parte de Bolsonaro.
Na decisão, Moraes acolheu integralmente o pedido e determinou o retorno dos autos à PGR, que terá 15 dias para se manifestar sobre os próximos passos da investigação. O caso remonta a uma das crises políticas mais graves do governo Bolsonaro, marcada pela saída de Moro e pelo início das suspeitas de interferência no comando da PF, episódio que, agora, volta oficialmente à pauta do Supremo. Posteriormente, nas eleições de 2022, o ex-ministro (agora senador) se reaproximou do ex-presidente.
STF aplica penas de até 17 anos a réus do Núcleo 4 do golpe
A 1ª Turma do STF condenou, na terça-feira (21), os sete réus do chamado Núcleo 4 da tentativa de golpe de Estado, identificado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o núcleo da desinformação. O colegiado entendeu que os acusados participaram da disseminação de notícias falsas e de ataques virtuais às instituições e autoridades, em 2022.
A decisão foi tomada por quatro votos a um, acompanhando o entendimento do relator, ministro Alexandre de Moraes. Também votaram pela condenação os ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino. O ministro Luiz Fux abriu divergência e votou pela absolvição, ao afirmar que as condutas atribuídas aos réus não configuram tentativa de golpe de Estado por falta de “potencial de conquista de poder e de substituição do governo”.
Com a decisão, o STF já soma 15 condenados nas ações que tratam das articulações golpistas. O julgamento dos núcleos 3 e 2 está previsto, respectivamente, para os dias 11 de novembro e 9 de dezembro.
Penas aplicadas
As penas fixadas variam de sete a 17 anos de prisão, conforme o grau de participação de cada acusado:
Ângelo Martins Denicoli (major da reserva do Exército): 17 anos de prisão, em regime fechado;
Reginaldo Vieira de Abreu (coronel do Exército): 15 anos e 6 meses, em regime fechado;
Marcelo Araújo Bormevet (policial federal): 14 anos e 6 meses, em regime fechado;
Giancarlo Gomes Rodrigues (subtenente do Exército): 14 anos, em regime fechado;
Guilherme Marques de Almeida (tenente-coronel do Exército): 13 anos e 6 meses, em regime fechado;
Ailton Gonçalves Moraes Barros (major da reserva do Exército): 13 anos, em regime fechado;
Carlos César Moretzsohn Rocha (presidente do Instituto Voto Legal): 7 anos e 6 meses, em regime semiaberto.
Os seis primeiros foram condenados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Carlos César Moretzsohn Rocha foi condenado apenas pelos dois primeiros crimes.
Os sete condenados deverão pagar, de forma solidária, R$ 30 milhões em indenização pelos danos causados aos prédios públicos durante os atos de 8 de janeiro de 2023. O valor será dividido com os demais condenados nas demais ações sobre a tentativa de golpe.
Além das penas de prisão, os réus ficarão inelegíveis por oito anos após o cumprimento das condenações. No caso dos militares, caberá ao Superior Tribunal Militar (STM) julgar a perda do oficialato.
As prisões não serão executadas de forma imediata. As defesas poderão apresentar embargos de declaração, recurso destinado a apontar eventuais omissões ou contradições no julgamento. Apenas após o trânsito em julgado – quando não houver mais possibilidade de recurso – as penas poderão ser cumpridas.
Moraes vota por reabrir investigação contra Valdemar na trama golpista
O ministro Alexandre de Moraes votou pela reabertura da investigação contra o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, por suspeita de envolvimento nos crimes de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A decisão ainda precisa ser confirmada pelos demais ministros da Primeira Turma da Corte, que julga o chamado núcleo 4 do plano golpista, voltado à disseminação de desinformação sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral.
Durante o voto, Moraes afirmou haver indícios de participação direta de Valdemar na divulgação de informações falsas sobre o sistema de votação, com base em um relatório produzido pelo Instituto Voto Legal (IVL), contratado pelo Partido Liberal em 2022. O documento questionava a segurança das urnas usadas no segundo turno, alegando “falhas irreparáveis”, tese rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que multou o partido em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé.
“Uma vez confirmada a condenação de Carlos Cesar Rocha [presidente do IVL], devemos extrair cópias da decisão e de todo o acervo probatório para reabrir a investigação em relação ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto”, afirmou Moraes, citando o artigo 18 do Código de Processo Penal.
Relatório e uso político
O presidente do IVL, Carlos Cesar Rocha, foi condenado por organização criminosa e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, por ter produzido o relatório usado pelo PL para contestar as urnas. Em seu voto, Moraes ponderou que Rocha atuou tecnicamente na elaboração do documento, mas enfatizou que foi Valdemar quem coordenou a divulgação das informações falsas, inclusive junto à imprensa e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Durante a sustentação oral, o advogado Melilo Dinis, que defende Rocha, afirmou que seu cliente “jamais mencionou fraudes” e que o uso político do relatório foi feito diretamente por Valdemar.
“Valdemar gerenciava todo tipo de diálogo, inclusive com a imprensa e com a chapa perdedora que transformou o país num inferno”, disse o advogado.
Histórico das acusações
Em 2022, Valdemar foi indiciado pela Polícia Federal por participação na trama golpista, mas não chegou a ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele chegou a ser preso durante uma operação da PF por posse ilegal de arma, quando agentes encontraram também uma pepita de ouro em sua residência. Segundo a corporação, o dirigente teve “papel central” na articulação política e na disseminação de teses falsas que sustentaram a tentativa de ruptura institucional.
Para Moraes, é necessário retomar o caso para avaliar o papel de Valdemar na “engrenagem de desinformação” que antecedeu os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
“Não se pode condenar o técnico que elaborou o relatório e ignorar quem o usou para atacar o Estado Democrático de Direito. É preciso investigar o verdadeiro beneficiário político da desinformação”, disse o ministro.
O papel do PL e o julgamento em curso
Com base no relatório do IVL, o PL pediu ao TSE a anulação dos votos de quase 60% das urnas usadas no segundo turno de 2022, sob a alegação de mau funcionamento de equipamentos fabricados antes de 2020. O pedido, porém, excluía o primeiro turno, em que o partido havia conquistado 99 cadeiras na Câmara dos Deputados. Moraes classificou a ação como “uma das mais bizarras que a Justiça Eleitoral já recebeu”.
A proposta de reabertura da investigação será analisada pelos demais ministros da Primeira Turma. Se houver maioria de votos favoráveis, o processo será retomado para apurar os crimes de organização criminosa e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, com base nas novas provas obtidas no julgamento do núcleo 4 da trama golpista.




