Política
Voto impresso divide políticos e eleitores em Mato Grosso do Sul
Correio do Estado
22 de Maio de 2021 - 09:12

A discussão sobre a legitimidade das urnas eletrônicas voltou à tona com mais força nas últimas semanas no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados decidiu instalar uma comissão especial que vai discutir a proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso. O debate ganhou mais força após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em seu primeiro discurso no cargo na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), ter levantado suspeitas sobre o sistema eletrônico brasileiro, que já existe há 25 anos.
A fala do presidente, que gerou reações contrárias da oposição, juristas e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ocorreu em setembro do ano passado. O contraditório é que o próprio presidente e seus filhos, senador Flávio Bolsonaro (Repu), deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) e o vereador licenciado Carlos Bolsonaro (Repu), foram beneficiados pelas urnas eletrônicas.
Agora, a Câmara dos Deputados realiza audiências para analisar a viabilidade de uma espécie de voto impresso, para que a auditoria das eleições tenha um outro mecanismo, além do eletrônico. Existem pedidos para que o eleitor saia com um comprovante das urnas, indicando que ele pode ter votado. Esse fato, para muitos analistas, coloca em xeque o princípio Constitucional do voto secreto.
A emenda pode limitar a fiscalização do chamado voto de cabresto (compra de eleitores). Essa é a visão do doutor em Direito Constitucional e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Fadir-UFMS) Sandro Oliveira. Para o jurista, a compra de votos é muito comum, principalmente em regiões periféricas das grandes cidades. Já em Mato Grosso do Sul, ela ocorre principalmente em pequenos municípios ou fronteiriços, onde esse tipo de controle eleitoral é mais intenso.
“Não creio que o voto impresso eleve a violência além do que já temos, mas a compra de voto ou voto de cabresto pode tornar a fiscalização mais difícil, principalmente se o eleitor sair do local da votação com algum comprovante que o identifique com o voto depositado, o que não é possível por meio do atual sistema de urnas eletrônicas”, alertou.
Sobre a constitucionalidade da medida, o doutor Sandro afirmou que a administração pública rege-se por princípios constitucionais que estão expressos, como no artigo 37 da Constituição Federal de 1988.
“Entre eles, o da eficiência da administração pública me parece ser o mais afetado. Retornar ao voto impresso, além de muito oneroso, é retrocesso. Nunca se comprovou nestes 25 anos de utilização da urna um único caso de fraude. O que existe, isso me parece bem claro, é um movimento que aposta na retórica política de que as urnas são corrompíveis. Interessante que os parlamentares críticos à urna eletrônica foram eleitos nesse sistema e não reclamaram”, analisou.
Para o deputado federal da oposição Vander Loubet, essa estratégia de alguns grupos políticos, entre eles o bolsonarismo, tem a mesma adotada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (Republicanos), nas eleições americanas de 2020.
“Essa proposta de voto impresso é mais uma maluquice da cabeça de Bolsonaro e dos apoiadores dele. No fundo, sabem que é uma proposta que tem pouca chance de vingar, mas a usam para criar uma narrativa para contestação em caso de derrota nas eleições de 2022. É a estratégia de alegar fraude, a mesma estratégia que Trump adotou quando perdeu nos EUA”, disse.
Já sobre o fato de o mecanismo aumentar a possibilidade do voto de cabresto, o petista afirmou que hoje a certeza do voto é quase impossível, pois, pelo atual sistema, o sigilo do voto é respeitado. “Sobre a questão do sigilo do voto, entendo que, sim, o voto impresso poderia facilitar a compra de votos. Hoje, quando o cidadão vota na urna eletrônica, só ele sabe em quem votou, ninguém pode contestá-lo ou questioná-lo. Um eventual comprovante impresso fortaleceria os políticos que fazem uso dessa prática de compra de votos”, analisou.
O deputado federal e governista Luiz Ovando (PSL) não compartilha da mesma opinião de seu colega parlamentar. Para ele, a impressão das cédulas é a única forma realmente auditável de um pleito. “O voto impresso é a síntese do processo eleitoral, portanto, não pode pairar qualquer sombra de dúvida ou insegurança sobre a expressão da vontade popular, por isso, sou a favor dele”.
FALA POVO
O site foi às ruas de Campo Grande para ouvir a opinião dos eleitores. Entre os seis entrevistados ouvidos pela reportagem, apenas dois foram favoráveis ao projeto, pois alegam que ele pode ser um mecanismo que limitaria fraudes.
Já os contrários, afirmam que a mudança poderia tornar arriscado o ato de votar, pois poderia acabar com o princípio do voto secreto. Essa é a opinião da babá Luciane Caroline. Ela alegou que o atual sistema evita até desgastes de discussão política, que hoje se encontra em um clima tenso e polarizado. “Se acontecer essa mudança, eu tenho medo, pois será um mecanismo para mais discussões, pois poderia facilitar saber em qual político você depositou a sua confiança, gerando até brigas e discussões mais pesadas em comparação com a que já temos hoje”.
Já o aposentado Rogério Marcos Torres defende a legitimidade da urna emitir um comprovante, desde que ele fique impresso e colocado em um compartimento lacrado na própria urna. “Na eleição de hoje não sabemos, de verdade, se nossos votos estão sendo computados corretamente, pois não tem como auditar. No entanto, já no caso do eleitor sair com um comprovante eu acho arriscado, pois pode aumentar a compra de votos. Caso seja aprovada a primeira opção, eu sou a favor”.
Essa também é a opinião da autônoma Marta Regina Bretel. Ela afirmou que hoje as urnas não são mais confiáveis. “Com a impressão dos votos poderíamos ter recontagem facilmente para sabermos se o resultado é realmente real. Por isso, sou a favor”.
No entanto, seu marido e representante comercial, Miranda Batista, tem uma posição contrária. Segundo ele, no sistema de cédulas o voto era facilmente manipulável, o que acabou com a chegada do processo digital. “Eu confio nas urnas, pois antes qualquer um poderia rasurar nosso voto ou mesmo jogar às cédulas fora, como era denunciado naquela época”.
O funcionário público Júlio Augusto Miranda compartilha tem a mesma opinião de Miranda. Para ele, o sistema eletrônico é confiável e avançado e não teriam motivos suficientes para essa mudança. “Eu confio nas urnas, pois nunca provaram que houve fraudes. Antes dela surgir, o voto era facilmente adulterado”.
Também para a pesquisadora Glauce Batista Ortigoza, o processo atual é confiável e não teria motivo para mudança. “O sistema eletrônico seguro é o melhor disponível que nós poderíamos ter, portanto, confio e acredito que não deveria mudar”.







