Logomarca

Um jornal a serviço do MS. Desde 2007 | Terça, 14 de Maio de 2024

Mato Grosso do Sul

Governo cria plano para barrar prática do novo cangaço em cidades fronteiriças

Desde o ano passado, Estado tem legislação para combater esses crimes; estratégia pode envolver mil pessoas por município.

Correio do Estado

06 de Julho de 2023 - 10:45

Governo cria plano para barrar prática do novo cangaço em cidades fronteiriças
Força policial de MS esteve em Corumbá para apresentação de plano de defesa contra o crime - Foto: Rodolfo Cézar.

Cidades que fazem fronteira com Paraguai e Bolívia, além de municípios com divisa de estado, estão em possíveis planos de facções criminosas para a prática do domínio de cidades, conhecida como novo cangaço. Essas ações envolvem promover um cenário de guerra, com fechamento de acessos à cidade, para praticar roubos a bancos e a empresas.

Planos de defesa que podem mobilizar até mil pessoas por cidade estão sendo montados em oito cidades de Mato Grosso do Sul para tentar combater essas ocorrências. Na lista de municípios preparados, somente Campo Grande está fora da lista fronteiriça.

Organizações criminosas com alto poder bélico e financeiro podem demorar meses e até anos para organizar ataques como esses. As quadrilhas agem com 40 homens ou mais e chegam a “dominar” a cidade por horas, além de deixarem rastro de destruição e, às vezes, de mortes de civis.

Entre os potenciais alvos dessas facções está Corumbá, por exemplo. Ontem, equipes de diferentes instituições ligadas às forças de segurança municipal, estadual e federal fizeram uma simulação para testar na prática o plano montado.

As atividades de desenvolvimento do plano começaram em 3 de julho e terminaram neste dia 5. Outras cidades também vão passar por treinamento, como é o caso de Aquidauana e Jardim.

Já foram testados planos de defesa em Campo Grande, Três Lagoas, Ponta Porã, Dourados e Naviraí. O intuito é que, além da cobertura no município, haja também uma efetividade de defesa no raio de até 150 km do local do possível ataque.

Em situações que envolvem cidades fronteiriças com a Bolívia e o Paraguai, essa cobertura de combate dentro do território do outro país é apontada como essencial para brecar a fuga de criminosos e aumentar as chances de prisões em flagrante.

O comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), tenente-coronel Vinícius de Souza Almeida, que é um dos organizadores dos planos de defesa, pontua que o cenário é de guerra.

“O cenário é de veículos pegando fogo, prédios pegando fogo, não raro há civis feridos, ruas são isoladas, rodovias são isoladas com carretas. E, infelizmente, depois da ocorrência, pode ocorrer a invasão da população no local para pegar o dinheiro que sobrou. Por isso estão [envolvidos] vários órgãos para isolar o local e agir. Os criminosos chegam a planejar por meses, algumas vezes anos antes, e eles vêm com armamento muito superior ao do policiamento ordinário”, detalhou.

Por conta do nível estratégico de atuação das forças de segurança, o plano de defesa montado acaba sendo subdividido entre as instituições para reduzir o risco de vazamentos de informações a quadrilhas.

Antes dessa divisão, houve um planejamento geral organizado no segundo semestre do ano passado, depois que foi montado o grupo de trabalho integrado por 16 servidores da Polícia Militar, da Perícia Oficial, da Polícia Civil, da Polícia Penal, dos Bombeiros e da Agepen.

A partir desse planejamento geral de 2022, agora em 2023 algumas cidades de Mato Grosso do Sul estão destrinchando as ações e inserindo outras autoridades.

No caso de Corumbá, há participação da Polícia Militar Ambiental, da polícia boliviana, do Ministério Público de MS, da Marinha, da Polícia Federal, do Exército, da Guarda Municipal, além de moradores da zona urbana e da zona rural e de empresas instaladas em Corumbá e em Ladário.

O delegado titular da 1ª Delegacia de Polícia Civil em Corumbá, Elton Alves de Sá Junior, ressalta que o número de envolvidos nesse tipo de operação representa um desafio e exige boa integração.

“Nós temos vários órgãos envolvidos, temos empresas, temos colaboradores civis. Todas elas juntas representam em torno de mil pessoas. Por isso há uma reunião de dias para haver a articulação de ideias. Conseguimos uma boa integração de todos os órgãos públicos, empresas e pessoas. É uma força grande voltada para um bem único, que é a segurança da sociedade”, declarou.

Desde 2013 até o primeiro semestre de 2022, essas ações de contingenciamento contra ataques de quadrilhas eram organizadas pelos batalhões da Polícia Militar em cidades de fronteira com outros países e na divisa de estado e revisadas a cada seis meses.

Conforme as autoridades, com a resolução nº 501, de outubro de 2022, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), esse combate a domínio de cidades passou a ser institucionalizado, o que permite maior engajamento contra o crime organizado.

“O treinamento representa prevenção. O criminoso não vai querer atacar uma cidade que tem um plano de defesa. Na fronteira com países e na divisa de estado é uma obrigatoriedade para acontecer. [Após] um crime que acontece em um local, geralmente o criminoso foge para o estado vizinho ou para o país vizinho. A integração precisa existir, e as pessoas precisam saber o que fazer, que é ficar em casa e se esconder”, salientou o tenente-coronel Vinícius de Souza Almeida.

O setor de inteligência das forças de segurança também atua com troca de informações. Para a região de Corumbá, conforme apurado, existe um trabalho de monitoramento de proprietários de áreas rurais que fazem fronteira com a Bolívia. Recentemente, policiais verificaram que havia tentativas de grupos criminosos de comprarem terras para servir de apoio a ações.

Inclusive, questionado se o plano de defesa está sendo implantado na fronteira com a Bolívia neste mês, por conta de suspeitas de ataques, o comandante do Bope respondeu que “a cidade tem potencial para receber esse tipo de ação. Não estamos aqui à toa”.

Além disso, em abril, a Polícia Civil prendeu J.S.G, 29 anos, em Ladário, depois de investigação que apontou que ele integrava facção criminosa do Nordeste chamada de Guardiões do Estado (GDE).

HISTÓRICO 

A mobilização de criminosos para atacar cidades inteiras começou a ser registrada no Estado em 2006, na região de Pedro Gomes e Costa Rica. Nessa época, as quadrilhas agiam com até 10 pessoas.

Depois, a partir de 2013, as forças de segurança identificaram o que é chamado de novo cangaço, com facções reunindo a partir de 40 criminosos para dominar cidades e promover roubos e destruição.

Casos assim já foram registrados em Aral Moreira e em Antônio João. Em Aquidauana, ano passado, houve ação parecida e que foi voltada para roubo de aviões a serem destinados para a Bolívia.
A prática de domínio de cidade ainda não está tipificada como crime. O projeto de lei

nº 5365, de 2020, tramita no Senado Federal depois de passar pela Câmara. O atual relator é o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, e a última movimentação foi em 20 de março deste ano, na Comissão de Segurança Pública.