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Priscila Arraes Reino

Burnout: oficialmente uma doença ocupacional

Organização Mundial da Saúde – OMS, classificou a síndrome de Burnout como um problema relacionado à organização do modo de vida: esgotamento

Priscila Arraes Reino

03 de Janeiro de 2022 - 14:36

A Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, é uma doença já reconhecida pelas leis trabalhistas e previdenciárias brasileiras como uma doença ocupacional. Com isso, ela é equiparada ao acidente de trabalho e fornece direitos e garantias, que são muitas vezes desconhecidos pelos empregados segurados. Até o ano de 2021, a Organização Mundial da Saúde – OMS, classificou a síndrome de Burnout como um problema relacionado à organização do modo de vida: esgotamento (CID 10 – Z73.0).

Entretanto, a partir de 01 de janeiro de 2022, com a 11ª atualização do cadastro internacional de doenças – CID, a síndrome do esgotamento profissional passa a compor o capítulo específico dos problemas gerados e associados ao emprego ou desemprego. Essa alteração demonstra um grande avanço no reconhecimento das doenças da era moderna.

De forma proposital, a Síndrome de Burnout é retirada do capítulo que classifica os transtornos mentais, comportamentais ou de neurodesenvolvimento para ser oficialmente conceituada e padronizada como uma doença resultante do estresse crônico no local de trabalho, que não foi gerenciado de forma adequada.

Na prática, o que isso muda?

Como vimos, a síndrome já era reconhecida como uma doença ocupacional, então, teoricamente não temos grandes mudanças, correto?

Errado, essa nova conceituação traz dois grandes benefícios para os trabalhadores:

  • a primeira é no combate ao estigma de que seria uma doença mental relacionada ao trabalhador;
  • e a segunda é da conceituação clara e direta de que a doença está relacionada ao local de trabalho e por conta disso, há que se falar na responsabilização da empresa.

Assim, com a alteração, a doença deixou de ser abstrata e com possíveis várias causas e passou a ser conceituada como um esgotamento profissional gerado pelo estresse mal administrado, ou seja, o problema somente se tornou crônico por conta do local de trabalho.

Com o diagnóstico, não há que se falar em mera cobrança interna do empregado e sim num conjunto de situações não gerenciadas de forma adequada pela empresa, como por exemplo:

  • assédio moral;
  • metas inalcançáveis;
  • cobranças agressivas;
  • carga de trabalho;
  • sistema de recompensas e reconhecimento.

Dessa forma, espera-se que essa mudança agilize os processos trabalhistas em que há comprovação da ocorrência de burnout, pois com a nova classificação, existindo o diagnóstico, consequentemente existe a culpa da empresa.

Pandemia e o aumento de casos no Brasil

De acordo com os dados divulgados pela International Stress Management Association (ISMA-BR), antes da pandemia o Brasil já era o segundo país com o maior número de pessoas afetadas pela Síndrome de Burnout.

Segundo essa pesquisa divulgada em 2018, foi constatado que 72% da população brasileira sofre de alguma sequela de estresse e que 32% dos entrevistados sofrem de Burnout.

Ainda, desses 32% de trabalhadores diagnosticados com Burnout, 92% continuam trabalhando mesmo com a doença.

A categoria dos profissionais de saúde foi a mais afetada durante a pandemia de Covid-19: o caos na saúde, a falta de profissionais para conter o avanço da pandemia, altas cargas de trabalho e a falta de equipamentos de proteção individual são apenas alguns dos fatores que influenciaram o aumento de casos.

Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mais da metade dos profissionais entrevistados apresentaram altos níveis de burnout e depressão clínica durante a pandemia:

Burnout: oficialmente uma doença ocupacional

Após a pandemia, ainda não foram divulgados dados concretos sobre as demais categorias profissionais, mas a expectativa extraoficial é de que exista o aumento de casos entre empregados, principalmente com a implementação do home office, o isolamento e a dificuldade em separar o trabalho e a vida pessoal.

O aumento nos casos já é uma certeza quando analisado o número de solicitações de auxílio-doença (o novo benefício por incapacidade temporária) e a aposentadoria por invalidez devido a transtornos mentais (até então esse era o enquadramento da síndrome).

Em 2020, o número desses pedidos somou mais de 576 mil, sendo o maior número já registrado pela Secretaria Especial da Previdência e Trabalho.

Entre as mulheres, o índice pode ser ainda maior, uma pesquisa feita em 2021, pela Women in the Workplace nos Estados Unidos e Canadá, constatou que 42% das entrevistadas apresentam sintomas de Burnout, enquanto a taxa entre homens foi de 35%.

Diagnóstico da síndrome de esgotamento profissional

Segundo a definição pela CID-11, é uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso.

É caracterizada por três dimensões:

  • sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia;
  • aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho; e
  • redução da eficácia profissional

Pelo Ministério da Saúde brasileiro, os sintomas envolvem nervosismo, sofrimentos psicológicos e problemas físicos (como dor de barriga, cansaço excessivo e tonturas). Sendo que, o estresse e a falta de vontade de sair da cama ou de casa, quando constantes, podem indicar o início da doença.

Burnout: oficialmente uma doença ocupacional

O diagnóstico da Síndrome de Burnout é feito por um psiquiatra ou psicólogo após uma análise clínica, os psicólogos Herbert Freudenberger e Gail North criaram uma lista dos 12 estágios, ou degraus, que devem ser analisados para a comprovação da síndrome de esgotamento profissional:

1-Necessidade de auto afirmação;

2-Trabalhar cada vez mais;

3-Desleixo das próprias necessidades;

4-Distanciamento dos conflitos e da ansiedade crescente;

5-Redefinição dos valores;

6-Negação dos problemas emergentes;

7-Isolamento;

8-Mudanças comportamentais preocupantes;

9-Despersonalização;

10-Vazio interior;

11-Depressão intensificada;

12-Síndrome da exaustão emocional → colapso físico e emocional (Burnout)

Caso você queira entender melhor sobre o perfil do profissional com a síndrome de Burnout, a nossa equipe realizou uma live explicando mais sobre isso:

Síndrome de BURNOUT é doença ocupacional? Como assegurar direitos!

Lembre-se ao menor sinal de exaustão, a orientação dos especialistas da saúde é de que você procure um profissional antes de chegar ao nível de esgotamento e, principalmente, não faça automedicação.

Burnout: uma doença ocupacional

A Doença ocupacional é aquela adquirida pela atividade desenvolvida no trabalho ou pelo meio ambiente que esteve exposto é bastante comum e é considerada como acidente de trabalho, conforme determina a lei 8.213/91.

Existindo o diagnóstico de Síndrome de Burnout, o segurado pode ter direito a dois benefícios: auxílio-doença acidentário (B91) ou aposentadoria por invalidez ocupacional (B92).

O primeiro é concedido ao empregado que estiver temporariamente incapacitado para as atividades habituais e o segundo quando a incapacidade for definitiva.

Infelizmente, pela falta do diagnóstico correto ou por erro na análise do INSS, muitos segurados ao realizarem o pedido de auxílio recebem de forma incorreta o auxílio-doença previdenciário (B31).

Vamos entender esses três benefícios:

Auxílio-doença previdenciário (B31)

Atualmente chamado de benefício por incapacidade temporária, ele é um direito concedido em decorrência de uma incapacidade causada por uma doença comum ou uma doença grave.

Para ter direito ao benefício, o segurado deve estar incapacitado para o trabalho habitual por mais de 15 dias consecutivos, ter qualidade de segurado (ou estar no uso do período de graça) e ter no mínimo 12 contribuições.

A síndrome do esgotamento profissional não é caracterizada como uma doença comum ou grave e sim como uma doença ocupacional equiparada a um acidente de trabalho.

Assim, ao receber o auxílio-doença, o empregado com Burnout passa a precisar cumprir o requisito de carência (o que não é exigido para as doenças ocupacionais), não tem o direito à estabilidade no retorno às atividades, não têm o recolhimento do FGTS mantido, não tem o convênio médico mantido e recebe menos do que receberia com o B91.

Quer entender melhor os direitos e deveres do empregado que precisa solicitar o benefício de incapacidade temporária por doença comum? Confira o nosso guia completo sobre o benefício.

Auxílio-doença acidentário (B91)

Já o auxílio-doença acidentário é concedido em decorrência de uma incapacidade causada por acidente de trabalho típico, doença ocupacional ou doença profissional.

Para este benefício não há obrigatoriedade do período de carência de 12 meses. Além disso, quem recebeu auxílio-doença acidentário não pode ser demitido ao voltar ao emprego, pelo período de 12 meses (estabilidade provisória).

Para o caso da Síndrome de Esgotamento Profissional, o mais comum é que ao ter ciência do diagnóstico do empregado, o empregador emita o Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT, considerando ser uma doença ocupacional.

Caso o empregador se negue a entregar a CAT, ela poderá ser emitida pelo médico, pelo sindicato, pelo empregado ou pelo judiciário, caso necessário.

Pedido de conversão do B31 para o B91

Sim, existe a possibilidade de pedir a conversão e garantir os seus direitos trabalhistas e previdenciários.

Contudo, essa alteração não costuma ser um processo simples e exige que o empregado apresente documentos que comprovem a conexão da doença com o ambiente de trabalho.

Além da CAT, outros documentos que podem compor o pedido de conversão são:

  • Laudo médico com a anamnese, CID e assinatura com CRM do profissional especialista;
  • NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico: documento que associa doenças aos ramos de atividades econômicas e ajuda o médico perito a entender se a doença ou lesão tem caráter ocupacional ou não;
  • Receitas de medicamentos e atestados médicos;
  • Laudos de exames;
  • Boletim de Ocorrência de acidente (quando for o caso de acidente de trânsito);
  • Relatório de acidente da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidente) etc.

Caso você verifique que o seu benefício foi concedido de forma errada, busque o auxílio de um escritório especialista em direito previdenciário, muitos pedidos de conversão do benefício são indeferidos pela falta dos documentos que comprovem a relação entre a doença e o ambiente de trabalho.

Benefício de aposentadoria por doença ocupacional

A importância de se fazer o pedido de benefício correto por doença ocupacional é ainda maior quando o trabalhador fica permanentemente incapaz de exercer suas atividades.

Se a incapacidade foi gerada por doença comum ou grave, o benefício será de 60% da média de todos os salários de contribuição desde julho de 1994 até a data do pedido, mais 2% dessa média a cada ano que ultrapassar 15 anos de contribuição no caso das mulheres e 20 de contribuição para os homens.

Enquanto no caso da aposentadoria por incapacidade permanente, causada ou agravada por um acidente de trabalho ou uma doença ocupacional, o benefício será de 100% da média de todos os salários de contribuição, de julho de 1994 até a data do pedido.

Um percentual de 40% de diferença para os cálculos que podem significar um aumento significativo da sua aposentadoria, fique atento às nomenclaturas dos benefícios para não perder nenhum direito.

Auxílio-acidente x Auxílio-doença acidentário

Apesar dos nomes parecidos, eles são benefícios completamente diferentes e não devem ser confundidos, viu?

O auxílio-acidente é um benefício indenizatório que não exige o afastamento do segurado, ele é concedido pelo INSS quando você possui uma sequela decorrente de uma doença ocupacional ou acidente, que gere prejuízos na sua capacidade de trabalho.

Diferentemente do auxílio-doença acidentário que exige o afastamento do trabalhador por mais de 15 dias.

No caso do empregado com Burnout, sendo diagnosticada a doença, o afastamento do ambiente de trabalho deve ser imediato.

Direitos trabalhistas do empregado com Burnout

O trabalhador com Burnout afastado por auxílio-doença acidentário, além da estabilidade por 12 meses ao retornar às atividades liberadas pelo INSS, também pode ter direito:

  • à rescisão indireta do contrato de trabalho quando comprovado o nexo entre a Burnout e o ambiente de trabalho;
  • o direito à indenização moral, caso exista culpa do empregador pelo ambiente não saudável;
  • o direito à indenização material, caso exista culpa do empregador pelo ambiente não saudável, com os gastos médicos;
  • manutenção do pagamento de FGTS;
  • manutenção do convênio médico durante o afastamento;
  • manutenção dos benefícios de cesta básica, tickets alimentação e complementações salariais;
  • Pensão mensal, caso tenha perdido parte de sua capacidade ou toda a capacidade, que pode chegar a ser vitalícia.

Lembrando que as possibilidades de indenização deverão ser solicitadas na justiça, com a devida comprovação da responsabilidade da empresa, seja por ação ou omissão.

Por isso, procure um escritório especialista no assunto para saber exatamente quais são os seus direitos, quais documentos são necessários para comprovar e como responsabilizar aqueles que te geraram tantos transtornos profissionais e pessoais.

Bônus Arraes e Centeno

Antes de finalizar o nosso artigo, anote estas dicas importantes para não perder nenhum direito e conseguir comprovar os danos causados:

  • Anote os acontecimentos;
  • Grave as conversas importantes para prova;
  • Tire cópia de todos os documentos que assinar;
  • Tire fotos de todas as orientações empresariais que julgar ilegais, arbitrárias, etc;
  • Guarde todos os documentos médicos organizados por data e tipo;
  • Solicite que os médicos façam laudos o mais completos possível, e sempre legíveis e com data;
  • Sempre que comprar  medicamentos, guardar notas fiscais (tirar cópia).

Mas a dica mais valiosa que podemos deixar é: NÃO PEÇA DEMISSÃO E NÃO FAÇA ACORDO neste caso!!